Navegar sem autonomia é entrar num navio sem bússola - #02

Ontem concluí o vídeo perguntando porque é urgente e indispensável robustecer a autonomia onlife na era da reintermediação digital.

Clareio com alguns exemplos:
Antes do digital, os pais intermediavam e escolhiam para o seu filhinho o tipo de jogo, de filme, de desenho televisivo ou qualquer outra coisa. Hoje, cada criança já a partir dos 4 ou 5 anos de idade, domina o celular conectado à internet, muitas vezes, melhor que os pais, e, por isso, acessa diretamente a tudo, escolhe o que mais lhe agrada no youtube, com ou sem a permissão dos pais.
A pergunta é: acessar a tudo, sem intermediação de um filtro, de uma autoridade familiar, é sinônimo de autonomia onlife? Não. Não, porque ser autônomo é, entre outras coisas, saber diferenciar entre aquilo que educa e deseduca, entre aquilo que liberta/salva e aquilo que escraviza/aliena.
Outro exemplo: a reintermediação do acesso ao conhecimento acadêmico. Antes da internet, havia basicamente dois meios que intermediavam, formalmente, o conhecimento: o livro impresso e o professor na sala de aula. Com a internet, o acesso ao conhecimento sobre qualquer coisa foi esfarelado, está disponível nos celulares conectados, isto é, a internet democratizou e oportunizou toda pessoa a estudar qualquer coisa, em qualquer tempo e lugar.
Sabemos que uma criança, olhando do ponto de vista cognitivo, ainda não é capaz de diferenciar o certo do errado. E aqui entra, já desde os primeiros anos de vida, a urgente necessidade da educação contínua para a autonomia digital/onlife. Porém, pergunto outra vez: ter acesso a todo o conhecimento humano na palma da mão, sem intermediação de escola ou professor, é sinônimo de autonomia onlife? Não. Por que não?
Porque nós, instituições em geral (família, escola, religião, entre outras) preparávamos o aprendiz para tudo, menos para a autonomia. Nós vivíamos em uma ecologia midiática (um livro, uma escola física, uma igreja…), na qual havia um centro que comandava e controlava tudo, ou seja, antes de chegar qualquer coisa nas mãos do filhinho, do estudante, do fiel, do cidadão, havia uma autoridade (um pai, um professor, um padre) que filtrava o que podia e o que não podia, o que era permitido e o que não era permitido, deixando para a autoridade o papel da decisão. Sendo assim, pra que autonomia se já chega tudo mastigado em minha boca?
Por exemplo, na escola, o professor era como um taxista que colocava o (A)luno sentadinho no banco do passageiro e o levava de um mundo sem luz para um mundo com luz, pegava o aluno na porta da casa dos pais, formatava-o ao longo de vários anos e, por fim, colocava já prontinho pra trabalhar no portão da fábrica. Ou seja, do berço familiar até o mundo da fábrica havia uma autoridade que comandava e decidia o que o (A)luno podia e o que não podia estudar ou fazer qualquer coisa. Agora, estamos pagando um preço caríssimo por isso. As escolas, por exemplo, estão sentindo na pele, neste período de pandemia, o quanto nós, pais e professores, não preparamos os nossos estudantes para a autonomia acadêmica digital, ao percebermos suas dificuldades em desenvolver o seu próprio percurso de aprendizagem, por meio das plataformas digitais.
Ouso dizer que ensinar um aprendiz a ler e a escrever e não emancipar a sua autonomia digital é como querer atravessar um oceano em um barco sem bússola e sem salva-vidas, isto é, o risco desse aprendiz “letrado” se perder e perder até a sua própria vida, navegando no oceano caótico e tempestuoso da internet, é muito grande. Por isso, educar para a autonomia é, antes de tudo, muscular a nossa plástica cerebral para autodecidirmos e escolhermos o que há de melhor no mundo à nossa volta. Exemplifico melhor na minha próxima “gotas de autonomia onlife”.

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