O Ensino-Aprendizagem Onlife: Como desenvolver a autonomia digital no ambiente acadêmico?

“A revolução não acontece quando a sociedade adota novas tecnologias; acontece quando a sociedade adota novos comportamentos” (Clay Shirky).

        
As inquietações, medos, desafios e esperanças que todo estudante e professor estão sentindo neste período de pandemia, com a passagem brusca do modelo convencional para o modelo “onlife”[1] (online e off-line) e híbrido de ensino-aprendizagem, eram e são as inquietações, medos e desafios que me acompanham desde o início do milênio. Por esse motivo, escolhi como objeto de pesquisa no meu doutorado, concluído em 2019, estudar e compreender o impacto das mudanças paradigmáticas provocadas pelas novas tecnologias de comunicação e informação no processo de aprendizagem dos estudantes da era da cultura digital. 

A “vantagem” que tínhamos antes da Covid-19 é que a educação digital era opcional. Hoje, ela se tornou quase obrigatória para os estudantes continuarem avançando nos seus estudos já que, até o momento, ninguém tem respostas exatas por quanto tempo seguiremos nessa modalidade de distanciamento social, o que significa continuar estudando via plataformas digitais. E mais, independente de pandemia, em breve, o Enem, as provas de concursos, as nossas especializações, quase tudo será digital. Assim, quem não dispor de habilidades digitais básicas, correrá o risco de ficar à margem das novas oportunidades que emergirão.       

Ao fazer uma transformação rápida de um convencional modelo para um outro radicalmente novo, é comum a todos, professor ou estudante, levantarmos muitos questionamentos, por exemplo: Quais são, objetivamente, os primeiros passos para aderirmos com convicção ao ensino-aprendizagem online? Quais são os maiores desafios do ensino-aprendizagem híbrido, onlife? Quais são os recursos e habilidades necessários para ensinar e aprender no ambiente onlife? Como manter o estudante interessado e engajado por meio da interação via plataformas digitais? Como avaliar o estudante e quais são as melhores práticas de feedback na educação onlife?

Para a maioria dos professores e estudantes, estas são algumas das perguntas que nos acompanham e inquietam, nesse período de transição quase forçada. As respostas para os questionamentos acima podemos adquirir juntos, através de um curso que estou gestando nesses dias de quarentena.

A motivação principal para pesquisar e construir pedagogicamente este curso, sobre como desenvolver a autonomia digital no Ensino-Aprendizagem, não nasceu com a Covid-19, mas é fruto do longo estudo que venho realizando, precisamente, desde o ano de 2015, quando planejei pesquisar no meu doutorado a influência da autonomia comunicativa digital no processo de aprendizagem dos estudantes do Ensino Superior.

A partir das evidências do Estudo de Caso realizado com estudantes universitários em 2018, visualizamos a existência de uma clara dissonância cognitiva entre a pedagogia de aprendizagem dos jovens empoderada pelo entorno midiático digital, e as velhas práticas didático-pedagógicas verticalmente estruturadas e burocráticas das instituições do Ensino Superior.

Ancorado nos estudos de vários autores que há tempo vêm estudando o choque cultural presente no ambiente acadêmico, iluminei minha pesquisa e construí as categorias de análise do Estudo de Caso. O sociólogo Manuel Castells, atualmente Ministro das Universidades na Espanha, foi a minha principal referência teórica. Ele afirma que o sistema educativo em geral ainda não entrou na pedagogia da era digital, continua apegado a livros didáticos, negócios editoriais e propaganda de ideologias oficiais. Por esse motivo, o universo da aprendizagem dos jovens estudantes se divide cada vez mais em duas partes: na escola, para que lhes deem um diploma, e na internet, com grupos informais para aprender de verdade (CASTELLS, 2015).

Considerando, portanto, que a Educação é a “chave” para a construção de uma cultura da autonomia crítica, criativa e consciente do estudante da era digital, defendemos, ao final da nossa pesquisa, que a pedagogia da autonomia digital deveria ser uma das principais responsabilidades das instituições educativas, a fim de oferecer aos estudantes as habilidades básicas para viver e aprender no ambiente online. O fato do jovem ser um “nativo digital” não deve nos fazer simplesmente pressupor que já disponha de capacidades analíticas e críticas para estudar e aprender nas redes digitais. Penso que essa hipótese esteja sendo testada neste período de pandemia, no qual o ensino-aprendizagem remoto é aplicado por quase todas as universidades. Não só nós, professores, estamos nos sentindo desconfortáveis nas plataformas digitais, mas também os estudantes que, embora tenham crescido na era digital, muitos deles sentem-se desnorteados e inseguros no processo de aprendizagem online.

Por isso, neste momento histórico, emancipar a comunidade acadêmica através da autonomia digital é o melhor antídoto para reduzir os riscos da alienação (distração), da manipulação, do isolamento vazio, do tecno-utopismo ou tecno-fobismo, da heteronomia, entre outros.

Um estudante autônomo no atual contexto de aprendizagem onlife corresponde àquele que desenvolve as faculdades tecno-cognitivas básicas para acessar, gerenciar e avaliar sua maneira de aprender, de forma crítica e consciente, fazendo uso estratégico e criativo das mídias digitais disponíveis, a fim de obter êxito nos seus projetos acadêmicos.

Sem nenhuma pretensão de restringir a complexidade das transformações tecnoculturais no universo do ensino-aprendizagem, resumo em dez pontos as principais propostas apresentadas na conclusão da minha tese de doutorado:

1. Promover oficinas, workshops ou curso extensivo, nos primeiros meses de estudo, para compartilhar as melhores práticas de pesquisa nas arquiteturas das redes digitais, apresentar os melhores aplicativos, plataformas, software, orientar os estudantes a pesquisar nos inúmeros bancos de dados de bibliotecas online, entre outros;

2. Elaborar pedagogias comunicativas dialógicas e criativas que correspondam ao novo perfil do estudante da era da autonomia comunicativa interativa, descentralizada, multimodal, vivencial e colaborativa. No fundo, desconstruir as convencionais pedagogias que ainda se assemelham à concepção “bancária” e “broadcasting” de ensinamento;

3. Permitir que cada estudante aprenda “do seu jeito”, cada um com seus métodos de pesquisa nas ecologias digitais, tornando-se, como descrito na pedagogia freiriana, um “fazedor do seu próprio caminho”, porém, buscando sempre alinhar-se ao programa temático proposto pelo curso;

4. Fortalecer, por meio de uma educação humanocêntrica e libertadora, a autonomia intelectual e moral dos estudantes, orientando-os a tomar suas próprias decisões éticas, na condução das suas pesquisas, tanto no ecossistema digital, quanto no mundo off-line;

5. Educá-los e conscientizá-los para os riscos das “bolhas” algorítmicas e para a compreensão da lógica mercadológica e ideológica dos magnatas da Internet, que violam o princípio da isonomia e da neutralidade da rede;

6. Estabelecer desafios, trabalhar com projetos e problemas, incentivar o espírito crítico, criativo e colaborativo dos estudantes, no que diz respeito à resolução das problemáticas abordadas, tanto em sala de aula física, quanto nas salas online (Hangouts, WhatsApp, Twitter, Facebook, etc.);

7. Motivá-los a “aprender a aprender” na vida “onlife” (online e off-line), incentivando-os à cultura da aprendizagem híbrida, ubíqua e perene, para a vida toda;

8. Garantir, por parte dos gestores públicos e privados, Internet gratuita de qualidade, em todos os espaços, internos e externos, das instituições de Ensino Superior;

9. Criar e incentivar a cultura do compartilhamento dos talentos produzidos pelos estudantes em sala de aula, nas suas respectivas redes digitais, colaborando, desse modo, com o amadurecimento da inteligência coletiva reflexiva e colaborativa;

10. Fazer da escola um laboratório da cultura da autonomia comunicativa, conscientizando e preparando o estudante para acessar, gerenciar e construir sua identidade, seus valores, suas crenças e seus projetos, na era da abundância da informação.

Usarei essas propostas como referência na construção do curso que estou elaborando. Diferente da pesquisa feita no doutorado, o curso terá uma natureza prática, cuja principal finalidade é ajudar professores e estudantes a conhecer melhor o ambiente digital, a fim de potencializarem suas habilidades técnicas e descobrirem as melhores plataformas digitais para o exercício do ensino-aprendizagem online.

Como veremos, o curso não propõe em momento algum colocar “remendo novo em roupa velha”, isto é, não adianta querer educar na cultura digital simplesmente reconstruindo ou atualizando o modelo antigo de ensino-aprendizagem. O tempo presente nos pede mais inovação disruptiva e menos reforma; mais criatividade e ruptura e menos continuidade e repetição nostálgica das práticas do passado. Para isso, é preciso abertura de espírito e ousadia para aprender, desaprender e reaprender ao longo de toda a vida.

Enfim, fazer a passagem para o mundo digital significa mudanças de paradigmas comunicativos, o que, consequentemente, nos obrigam a mudar os nossos métodos e processos de ensino-aprendizagem. Consciente disso, evitaremos a continuar cometendo os equívocos do passado, aqueles de querer inserir uma nova tecnologia como o digital (ubíqua, descentralizada, horizontal, sem controle), em velhas tecnologias como a escola e universidade de hoje (analógica, centralizada, hierárquica, controlada). Ou seja, não são os estudantes, a maioria deles aptos à cultura da aprendizagem conectada (connected learning), descentralizada e ubíqua, que devem se adaptar ao secular paradigma de ensino presente nas instituições acadêmicas, mas, estas sim que devem se adaptar ao novo paradigma de aprendizagem onlife, amplamente já assimilado e  vivenciado em outras perspectivas pela comunidade no universo estudantil.


Informações básicas sobre o curso:

Quando: de 19 de maio a 19 de junho
Quem participa: Estudantes a partir do Ensino Médio e professores inquietos de qualquer nível acadêmico.
Inscrição: através do WhatsApp de Talvacy (84) 99668-3426
Como sucederá: 100% online através da participação em um grupo no WhatsApp, Google Sala de Aula e Google Meet.
Curador do curso: Pe. Talvacy Chaves, vigário da paróquia de Apodi
Patrocinador do Curso: Paróquia de Apodi/RN


[1] Onlife foi um termo cunhado pelo filósofo italiano Luciano Floridi, que significa a pessoa que vive parte da sua vida no mundo analógico (offline) e parte no mundo digital (online). O filósofo explica esse termo dentro do seu livro chamado "Infosfera", no qual interpreta a sociedade contemporânea como um conjunto de organismos informacionais interconexos e interdependentes. Nesse sentido, a nossa vida é sempre mais vivida de forma onlife.

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