Anticoncepcional e o Propósito da Procriação no Matrimônio: Uma Reflexão Pastoral
A artigo a seguir nasceu de uma pergunta que uma jovem da minha paróquia fez sobre o uso de anticoncepcional e a questão da procriação no matrimônio na visão da Igreja Católica. Em diálogo com as IAs, tendo como referências os documentos da Igreja, como a encíclica Humanae Vitae de São Paulo VI, a exortação apostólica Amoris Laetitia do Papa Francisco e o Catecismo da Igreja Católica, elaborei a seguinte reflexão:
Um casal católico em oração, refletindo sobre o discernimento e a fé no matrimônio |
A Igreja Católica ensina que o matrimônio tem, entre seus propósitos, o dom maravilhoso da geração de novas vidas. Desde os primeiros parágrafos da encíclica Humanae Vitae, São Paulo VI reconhece tanto a grande alegria quanto os desafios envolvidos na missão de transmitir a vida: cumprir este dever sempre foi fonte de alegria para os esposos, embora às vezes venha acompanhado de dificuldades e angústias (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI). Em nossos tempos, muitos casais cristãos se deparam com questões complexas sobre ter ou não filhos e sobre o uso de métodos anticoncepcionais. Como abordar essas decisões à luz da doutrina católica, mas com o olhar de misericórdia e compreensão que o Papa Francisco tanto enfatiza? Esta reflexão pastoral busca responder a essa pergunta, unindo a fidelidade ao ensinamento da Igreja com a compaixão e o diálogo próprios de uma abordagem pastoral.
O dom da vida e a vocação à procriação no matrimônio
Para a Igreja, os filhos são um dom precioso de Deus e um fruto natural do amor conjugal. O Catecismo da Igreja Católica recorda que a fecundidade (capacidade de gerar vida) é uma das finalidades do matrimônio, pois o amor entre esposo e esposa “tende naturalmente a ser fecundo” (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). O filho não é algo externo que “atrapalha” a relação do casal; ao contrário, “surge no próprio coração deste dom mútuo [dos esposos], do qual é fruto e complemento” (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Em outras palavras, o amor conjugal por sua própria natureza se abre para a vida, gerando uma nova pessoa que é expressão e prolongamento do amor dos pais.
Por essa razão, a Igreja “toma partido pela vida” e ensina que cada ato de amor conjugal deve permanecer aberto à possibilidade da vida (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI). Existe um “nexo indissolúvel” (um vínculo inseparável) entre os dois significados do ato sexual no matrimônio: o significado unitivo (a união em amor dos esposos) e o significado procriador (a geração da vida) (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI). Separar intencionalmente esses dois aspectos – buscando a união, mas rejeitando a potencial procriação – vai contra o plano de Deus para o matrimônio. Salvaguardar juntos o amor e a abertura à vida é o que preserva “o sentido de mútuo e verdadeiro amor [do casal] e a sua ordenação para a altíssima vocação […] da paternidade” (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Em suma, a abertura à vida não é um “acessório”, mas parte da essência do matrimônio cristão.
É importante notar, contudo, que a Igreja valoriza tanto a dimensão procriativa quanto a dimensão unitiva do matrimônio. O próprio Humanae Vitae afirma que os atos conjugais são honestos e dignos mesmo nos dias infecundos ou quando, por circunstâncias independentes da vontade dos cônjuges, não resultam em concepção (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI). Isso porque tais atos continuam sendo expressão de amor e fortalecimento da união do casal. Desse modo, ter filhos não é a única razão de ser do matrimônio – o amor dos esposos em si é querido por Deus. Ao mesmo tempo, esse amor esponsal pleno busca naturalmente expandir-se em vida nova. Os cônjuges cristãos são chamados a dizer “sim” tanto ao compromisso de amar-se mutuamente quanto à disposição de acolher os filhos que desse amor possam advir, vendo neles uma bênção e uma continuidade da sua história de amor ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco).
Paternidade responsável e discernimento dos esposos
Reconhecendo que nem sempre é possível ou prudente ter inúmeros filhos, a Igreja propõe o conceito de paternidade responsável. De fato, “paternidade responsável” foi uma expressão central na Humanae Vitae e permanece atual em documentos como Amoris Laetitia. O Papa Paulo VI ensinou que exercer a paternidade responsável significa, em alguns casos, generosamente abrir-se a uma família numerosa, e em outros, decidir evitar uma nova gravidez por motivos sérios, em respeito à lei moral (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI). Ou seja, ser “responsável” não quer dizer simplesmente ter filhos sem medida, mas sim discernir com sabedoria o tamanho e as condições da família, sempre com retidão de intenção e abertura a Deus.
A Igreja compreende que há motivos justos que podem levar um casal a adiar uma gravidez ou até mesmo, em casos extremos, a não ter filhos adicionais. Tais motivos podem ser de ordem física, psicológica, econômica ou social (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI) – por exemplo, problemas sérios de saúde da mãe ou do filho esperado, condições financeiras e habitacionais muito precárias, ou outras circunstâncias que tornariam irresponsável acrescentar mais um filho naquele momento. Nessas situações, não se trata de falta de fé ou generosidade, mas de uma prudência vivida em diálogo com Deus, na qual o casal procura cumprir sua missão de pais do melhor modo possível. O próprio Catecismo afirma: “Os esposos podem querer espaçar o nascimento de seus filhos por razões justificadas”, mas ao mesmo tempo **devem assegurar que tal desejo “não procede do egoísmo” e está de acordo com a justa generosidade da paternidade responsável (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Em outras palavras, é diferente evitar filhos por comodismo ou individualismo – o que seria contrário ao amor – e evitá-los por um sentido de responsabilidade perante Deus e a família. Este último caso é que a Igreja considera legítimo, desde que se respeite a lei moral.
E como agir, então, para regular a natalidade de forma moralmente lícita? A Igreja propõe aos casais o recurso aos métodos naturais de planejamento familiar, fundamentados na continência periódica (abstinência nos períodos férteis) e no conhecimento dos ciclos naturais de fertilidade da mulher (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Esses métodos – quando motivados por razões justas – respeitam o corpo dos cônjuges e “estimulam a ternura entre eles”, exigindo diálogo, autocontrole e parceria (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Em contraste, a Igreja ensina que é “intrinsecamente má qualquer ação” que, seja antes, durante ou depois do ato conjugal, se proponha a impedir a procriação, seja ela o uso deliberado de contraceptivos artificiais, a esterilização ou qualquer meio semelhante (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Por quê essa posição? Não por falta de sensibilidade, mas porque, na compreensão católica, um ato conjugal fechado intencionalmente à vida contradiz a verdade profunda do amor conjugal, que pede a entrega total de si mesmo ao outro. Como expressa São João Paulo II, “à linguagem que exprime […] a doação recíproca e total dos esposos, a contracepção opõe uma linguagem […] contraditória”, sinal de uma “recusa […] da abertura à vida” que acaba por representar “uma falsificação da verdade interna do amor conjugal” (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557). Em termos simples: se no momento da união sexual um dos aspectos essenciais (a abertura à vida) é eliminado de propósito, a doação mútua dos esposos deixa de ser plena, perde algo da sua autenticidade.
Todavia, é fundamental lembrar que paternidade responsável não significa procriação ilimitada. O Papa Francisco, citando uma advertência de São João Paulo II, ressalta que ser responsável não quer dizer ignorar as condições necessárias para criar e educar bem os filhos. Pelo contrário, pressupõe usar a liberdade de modo sábio e responsável, levando em conta tanto as realidades pessoais e familiares quanto as condições sociais em volta ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). Não há mérito em ter filhos sem qualquer planejamento se isso leva a uma situação insustentável ou impede que se dê a eles uma vida digna. A verdadeira generosidade cristã não é inconsciente, mas sim uma virtude equilibrada entre confiança na Providência e prudência na ação humana. Assim, a Igreja convida cada casal a discernir, em oração e diálogo, quantos filhos terão e quando tê-los, assumindo juntos diante de Deus essa decisão. Essa responsabilidade compartilhada, longe de esfriar o amor, pode aprofundar a cumplicidade e o conhecimento mútuo do casal, que juntos enfrentam as questões da vida familiar.
Consciência cristã e liberdade responsável
Diante da diversidade de situações familiares, a Igreja destaca o papel central da consciência moral de cada casal. A consciência é aquele núcleo interior onde a pessoa discerne, diante de Deus, o que deve fazer. O Papa Francisco ensina que a Igreja deve formar as consciências, e não pretendê-las substituir ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). Isto significa que, embora a Igreja ofereça orientações claras (como as normas morais sobre abertura à vida), cada casal, diante da sua realidade concreta, precisa aplicar esses princípios com retidão de intenção e sinceridade, em diálogo com o Senhor. Não se trata de relativismo – pois a verdade objetiva da moral permanece –, mas de reconhecer que a aplicação da norma moral requer discernimento prudente das pessoas envolvidas.
Em Amoris Laetitia, o Papa observa que muitos fiéis “respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites”, e são capazes de fazer “o seu próprio discernimento” mesmo em situações complexas ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). Ou seja, a maioria dos casais cristãos deseja viver segundo o Evangelho e a doutrina da Igreja, mas às vezes se encontram em circunstâncias difíceis, em que precisam tomar decisões imperfeitas ou provisórias. Nesses casos, a consciência bem formada os ajudará a buscar o máximo bem possível diante de Deus, ainda que não consigam de imediato viver plenamente o ideal. Cabe à Igreja iluminar e acompanhar essas consciências, oferecendo a luz do Evangelho, mas respeitando a liberdade e a responsabilidade de cada casal diante de Deus.
Formar a consciência envolve educação e diálogo. Os casais são encorajados a conhecer o ensinamento da Igreja sobre o matrimônio e a vida, a estudar documentos como o Catecismo e a própria Humanae Vitae, e também a dialogar com pastores ou casais experientes. Essa formação, porém, não é imposição externa: ela visa ajudar os esposos a perceber por si mesmos a beleza e a sabedoria do plano de Deus. A Igreja confia que, iluminados pela graça, marido e mulher saberão discernir o que Deus lhes pede. Por exemplo, um casal católico que, por razões sérias, considera não ter filhos por algum tempo, deverá examinar sinceramente sua consciência: Estamos sendo movidos pelo medo ou comodismo, ou realmente por um senso de responsabilidade?; Estamos abertos a rever essa decisão no futuro?; Estamos buscando alternativas lícitas (como métodos naturais) em vez de atalhos contrários à moral?. Essas perguntas devem ser levadas em oração, buscando-se a vontade de Deus.
É importante lembrar também que a consciência cristã não é sinônimo de opinião pessoal ou desejo subjetivo. Trata-se da voz de Deus na alma, que devemos aprender a escutar. Uma consciência bem formada estará em sintonia com os valores do Evangelho e com o ensinamento da Igreja (que, como mãe e mestra, nos ajuda a não nos iludirmos pelo pecado). Por isso, o Papa Francisco insiste: a Igreja deve formar sem dominar – não para que cada um “faça o que quiser”, mas para que cada um faça o que é certo, não por mera obediência cega, e sim por convicção interior e amor a Deus. Quando a consciência, devidamente formada, aponta a necessidade de algum sacrifício (por exemplo, acolher uma vida nova mesmo em meio a dificuldades), então aquela decisão se torna ato de fé e amor, e não mera imposição externa.
Misericórdia pastoral para com as realidades concretas
Ao mesmo tempo em que propõe o ideal elevado do amor aberto à vida, a Igreja – especialmente sob o pontificado do Papa Francisco – vem sublinhando a importância da misericórdia e do acompanhamento pastoral. Nem todos os casais conseguem viver plenamente e o tempo todo esse ideal. Há aqueles que, por fraqueza ou por circunstâncias excepcionais, recorrem a métodos anticoncepcionais não aprovados pela Igreja, ou que decidem adiar indefinidamente os filhos mesmo sem uma razão grave claramente definida. Diante dessas situações, qual deve ser a atitude da comunidade cristã e dos pastores?
Em primeiro lugar, não a de condenação precipitada. O Papa Francisco lembra que a Igreja deve ser como um hospital de campanha, que acolhe os feridos antes de tudo. Ele adverte que não podemos transformar o Evangelho em “pedras mortas para atirar contra os outros” ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). Assim, se um casal se sente distante do ensinamento da Igreja nessa área, é fundamental aproximar-se dele com respeito, escuta e compreensão. Muitas vezes, por trás de escolhas contrárias à norma moral, há uma história de sofrimento, medo ou falta de apoio. Por exemplo, alguns podem ter pavor de gerar filhos devido a traumas pessoais ou ao contexto de extrema pobreza; outros podem ter recebido conselhos médicos equivocados ou sentir-se esmagados pelas responsabilidades. A Igreja, como mãe, quer primeiro entender e fazer-se próxima, mostrando ao casal que ele é amado por Deus e pela comunidade, que não está sozinho em suas lutas.
Isso não significa, é claro, abrir mão da verdade que a Igreja ensina. A misericórdia autêntica jamais abandona o chamado à conversão e à vida plena no Evangelho. Porém, essa verdade deve ser oferecida com paciência e delicadeza, gradualmente, ao ritmo que cada família puder avançar. O Papa Francisco fala em “dar passos com verdade, paciência e misericórdia, ao anunciar as exigências do Reino de Deus” ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). Ou seja, apresentar o ideal, mas passo a passo, encorajando cada pequeno progresso. Por exemplo, um casal que atualmente utiliza anticoncepcionais artificiais pode ser orientado, com tato, a conhecer os métodos naturais e dar-lhes uma chance; se temem confiar em Deus, podem ser motivados a aprofundar a fé e a experimentar aos poucos essa confiança. Jamais se deve perder de vista a pessoa no seu caminho único: cada casal é um mundo a ser discernido e acompanhado.
O Santo Padre insiste que, embora a Igreja deva propor sempre a plenitude do projeto de Deus, ela também “deve acompanhar, com atenção e solicitude, os seus filhos mais frágeis, marcados por um amor ferido e extraviado, dando-lhes de novo confiança e esperança” ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). Aplicando isso ao nosso tema: mesmo se um casal vive fechado à vida ou usando meios contrários ao ensino católico, a Igreja não os abandona nem os considera um caso perdido. Ao contrário, aproxima-se deles para caminhar junto, iluminando a consciência, oferecendo perdão e cura onde for necessário, e ajudando-os a perceber gradualmente a beleza de uma abertura maior ao plano de Deus. Esta é a pastoral do acolhimento e da misericórdia, que não normaliza o erro, mas também não desiste de ninguém por causa do erro. Como Jesus com a samaritana ou com a mulher adúltera, a Igreja deseja dialogar com franqueza, mas num contexto de amor e respeito, de modo que a verdade seja libertadora e não um fardo esmagador.
Concretamente, essa atitude pastoral se manifesta de várias formas: em uma acolhida calorosa no confessionário, onde os esposos possam tratar dessas questões sem vergonha e recebendo orientação compassiva; em grupos de famílias ou movimentos da Igreja, onde casais mais experientes compartilham suas lutas e vitórias no âmbito da paternidade responsável; em conversas francas com o pároco ou orientador espiritual, que possa ajudar o casal a enxergar seus pontos de crescimento sem perder de vista o quanto Deus já está agindo neles. Nada de exclusão ou humilhação – o caminho é sempre o de integrar, incluir, curar e convidar a ir “além” rumo ao ideal do Evangelho. A alegria do amor familiar, tantas vezes enfatizada pelo Papa Francisco, passa também por essa experiência da misericórdia: sentir-se amado por Deus mesmo na própria imperfeição, e por isso mesmo animado a melhorar, confiando na graça.
Amor conjugal, diálogo e abertura ao futuro
Em última análise, as decisões sobre ter ou não filhos e sobre os métodos para espaçar gestações devem nascer do amor conjugal vivido em plenitude. Marido e mulher cristãos são convidados a cultivar entre si um diálogo sincero e constante sobre seus sonhos, temores e limites. Decidir em conjunto sobre a chegada dos filhos é em si um exercício de amor: requer escuta mútua, respeito pelos argumentos do outro e, muitas vezes, sacrifício de preferências pessoais pelo bem comum do casal e da família. Esse diálogo não ocorre apenas uma vez, mas deve acompanhar todo o percurso matrimonial – nossas condições de vida mudam, nosso amadurecimento espiritual também, e por isso o discernimento é contínuo. Um casal que no início do matrimônio decidiu adiar os filhos por determinada razão, daqui a alguns anos pode discernir de modo diferente, talvez sentindo-se chamado a dar o passo da confiança em Deus e conceber uma nova vida. É importante que nenhuma decisão fique cristalizada para sempre, como se o casal tivesse total controle sobre o futuro. A abertura à vida envolve também uma abertura ao mistério da providência divina, que às vezes nos surpreende.
Vale ressaltar que cada família é única. Há casais que descobrem no diálogo que Deus os chama a acolher muitos filhos, e o fazem com alegria e generosidade heroicas. Outros chegam, após reflexão, à conclusão de que devem limitar o número de filhos, para poderem educar e sustentar adequadamente os que já têm ou para proteger a saúde da mãe, por exemplo. Nesses casos, podem inclusive sentir dor no coração por não poder ter mais crianças, e essa dor pode ser oferecida a Deus como parte de sua vivência matrimonial. Há também casais que, por circunstâncias particulares (infertilidade biológica, por exemplo), não conseguem ter filhos naturais; a eles a Igreja lembra que o matrimônio continua sendo plenamente válido e enriquecedor, e que seu amor pode ser fecundo de outras formas, seja através da adoção, seja pelo serviço e cuidado de outros. O essencial é que nenhum casal se feche em si mesmo por egoísmo estéril, mas que seu amor seja sempre difusivo e aberto, gerando vida biológica ou espiritual ao seu redor.
Quando um casal deliberadamente opta por não ter filhos por comodidade, sem nenhuma justificativa séria, é preciso dizer com clareza: isso não corresponde à visão cristã do matrimônio. De fato, contrair matrimônio recusando desde o início a possibilidade de filhos vai contra a natureza do sacramento e, segundo a Igreja, pode até invalidar o próprio consentimento matrimonial. Mas mesmo aqui é preciso entender e encaminhar pastoralmente. Muitos casais jovens carregam medos compreensíveis – medo das responsabilidades parentais, receio de repetir erros dos próprios pais, insegurança econômica, etc. Em vez de julgarmos apressadamente, devemos ajudá-los a superar esses temores na fé. A confiança em Deus Pai, que não abandona os filhos que Ele mesmo envia, precisa ser semeada e cultivada neles. O Papa Francisco certa vez comentou que alguns acham que, para ser bons católicos, precisamos “ser como coelhos” tendo filhos sem cessar – e ele corrigiu essa visão, dizendo que o verdadeiro chamado é à paternidade e maternidade responsáveis, com sabedoria ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco). A partir dessa sabedoria cheia de fé, os casais podem descobrir que ter filhos não é um fardo, mas um dom. Sim, um dom que traz desafios, mas que enriquece imensamente a vida matrimonial. Quantos esposos e esposas testemunham que, apesar dos sacrifícios, nunca se arrependeram de ter tido seus filhos, pois cada filho é uma alegria única que nenhum sucesso material poderia substituir!
Portanto, a decisão de não ter filhos dentro do casamento deve sempre ser avaliada à luz dessas verdades. Se for temporária e por motivos justos, inserida num contexto de oração e diálogo conjugal, contando com acompanhamento espiritual, então pode ser expressão de responsabilidade. Mas se for uma decisão definitiva motivada por rejeição ao dom de Deus, vale a pena que o casal reconsidere com humildade: Estamos realmente mais felizes fechando nosso amor? Não seria nosso medo maior que a nossa fé?. Ninguém deve pressioná-los de fora, mas Deus mesmo os convida à coragem do amor generoso. Aqui, novamente, o papel da comunidade e dos pastores é encorajar, não pressionar. Mostrar, com testemunhos e apoio concreto, que criar filhos com limitações é possível – e que a graça de Deus supre o que nossas forças não alcançam. Como diz a Escritura, “os filhos são uma bênção do Senhor” (cf. Sl 127,3-5) ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco), e feliz quem confia nessa bênção.
Conclusão: Verdade em caridade, amor na verdade
Em suma, ao refletirmos sobre anticoncepção e procriação no matrimônio, vemos que a Igreja nos propõe um caminho exigente sim, mas profundamente humano e bonito: o caminho de um amor conjugal fiel, total e aberto à vida. A doutrina católica – expressa em documentos como Humanae Vitae, Amoris Laetitia e no Catecismo – deixa claro o ideal: cada matrimônio deve espelhar o amor criativo de Deus, gerando vida e nunca fechando as portas à fecundidade. Contudo, a mesma Igreja ensina que esse ideal deve ser vivido com sabedoria, discernimento e confiança, não de maneira cega ou irresponsável. Por isso, fala de paternidade responsável, de consciência reta, de avaliar motivos e meios. E, sobretudo nos últimos anos, a Igreja acentua que tudo isso deve ser apresentado e acompanhado com imensurável misericórdia.
O Papa Francisco tem insistido que amor e verdade caminham juntos: não podemos diluir a verdade sobre o matrimônio (pois isso privaria os casais da alegria plena que Deus lhes quer dar), mas também não podemos falar da verdade sem amor. Uma pastoral “dura”, sem compreensão, pode afastar as pessoas da própria verdade. Ao invés, quando os esposos são recebidos com acolhimento e quando percebem que as orientações da Igreja nascem do amor e visam seu bem, eles se abrem mais facilmente à verdade do Evangelho. No ambiente de amor e diálogo, o Espírito Santo tem espaço para agir no coração dos casais, conduzindo-os pouco a pouco a abraçar o plano divino.
Em linguagem acessível e calorosa – como a que procuramos usar aqui, inspirados no estilo do Papa Francisco – podemos dizer aos casais: Deus os ama e tem um sonho para o matrimônio de vocês. Esse sonho inclui sim a alegria dos filhos, mas Deus conhece a caminhada de cada um. Ele não os abandona nem mesmo se vocês, por fraqueza, tomaram decisões diferentes. Sempre é tempo de retomar o caminho, de conversar como casal e com Deus, de buscar ajuda na Igreja. “Nunca desanimem do ideal do amor generoso” – este poderia ser o apelo final. Com a graça de Cristo, é possível viver a sexualidade matrimonial de modo plenamente humano e cristão: com prazer, com amor profundo e com aquela abertura à vida que nos faz participantes da obra criadora de Deus. E mesmo quando isso for difícil, a misericórdia do Senhor sustenta os esposos em cada passo. Como Igreja, queremos caminhar com as famílias, oferecendo o tesouro da doutrina, mas também o ombro amigo da compreensão. Assim, verdade e caridade se encontram, e os casais podem discernir com liberdade e paz a vontade de Deus para suas vidas.
Em última análise, a reflexão sobre ter ou não ter filhos e sobre os meios de planejamento familiar se resume a uma vivência intensa do amor cristão. Quando há amor verdadeiro – amor que é doação, que é diálogo, que é abertura – as decisões se iluminam. Que cada casal possa experimentar essa luz e essa paz ao discernir sua paternidade ou maternidade! E que nós, como Igreja, sejamos sempre testemunhas desse amor compassivo, anunciando a verdade com um sorriso nos lábios e esperança no coração, seguindo o convite do Papa Francisco de sermos pastores com “cheiro de ovelhas”, próximos das famílias em suas alegrias e cruzes. Desta forma, o matrimônio cristão brilhará no mundo como sinal da alegria do amor ( amoris laetitia ) que nada mais é do que a própria alegria de Deus partilhada conosco.
Fontes consultadas: Humanae Vitae (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI) (Humanae Vitae (25 de julho 1968) | Paulo VI); Amoris Laetitia ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco) ("Amoris laetitia": Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre o amor na família (19 de março de 2016) | Francisco); Catecismo da Igreja Católica (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557) (Catecismo da Igreja Católica. Parágrafos 2196-2557).
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