#2018 em 5 passos

Próximo ano celebro 10 anos de “comunicar é preciso”, nome que dei ao meu blog pessoal, espaço onde antes publicava com frequência minhas percepções, viagens, insônias, coisas minhas, sem pensar em nenhum público específico, apenas como repositório aberto de algumas memórias e reflexões. 

Depois, percebi que muito daquilo que publicava interessava também a outros leitores. Prova disso é que até hoje este blog já recebeu mais de 97 mil visualizações. Escrevi muito este ano, não aqui, mas na elaboração da tese de doutorado, ainda em processo, com previsão de ponto final em junho do próximo ano. A minha vida estudantil e minhas prioridades em outras mídias digitais, sobretudo Twitter (@talvacy) e WhatsApp, terminaram colocando este blog no final da fila.

Hoje, 31 de dezembro, em Roma, volto aqui para registrar em 5 passos os acontecimentos mais importantes na minha vida neste ano de 2018. Deixo de lado eventos relevantes no mundo eclesial e político, falo noutra ocasião.

1. Um pesquisador padre ou um padre pesquisador

Foi em 2018 que a ficha caiu. Semelhante quando fui ordenado padre, demorou para eu perceber o padre em mim. Parece que o “ser” vai se formando processualmente, na medida em que vamos tomando consciência da ação que fazemos como padre ou pesquisador. Depois de tantos anos de estudo, hoje, vejo-me um pesquisador, uma pessoa inserida dentro de um campo de estudo, focado em um objeto de pesquisa, buscando aprender, analisar e interpretar de forma sistemática a realidade que me cerca. 


Penso que o autoconhecimento tenha colaborado muito para a descoberta daquilo que sou. O “conhece-te a ti mesmo” é a pílula vermelha de Matrix. É impossível saber quem sou, muito menos, ser livre e consciente da realidade ao meu redor, se não faço o exercício permanente do contemplar o meu interior pela meditação e extrair de dentro de mim a minha identidade, o meu “ser”, as minhas percepções, crenças e valores. 

Hoje, portanto, vejo-me um estudante padre que descobriu o prazer da pesquisa e que está se modelando, na medida em que se aprofunda no seu campo de estudo. Quem vai para o campo de pesquisa – seja ele teórico ou empírico – não volta do mesmo jeito, o contato direto com o objeto de estudo, o esforço que fazemos para analisá-lo através de perspectivas diversas, não altera apenas o modo como passamos a ver o objeto pesquisado, mas altera e transforma a mente do próprio pesquisador. 

2. Participação em eventos científicos

Entre outros, destaco 6 deles:

- Conferência Internacional sobre Transmedia Literacy na Universidade Pompeu Fabra em Barcelona. Pela primeira vez, apresentei um “paper” em língua inglesa em um evento internacional. 

- Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação em Joinville, SC. Pela primeira vez apresentei um artigo científico no INTERCOM nacional. Este artigo, escrito em parceria com o professor Juciano Lacerda, meu orientador da tese de doutorado, é um recorte das reflexões feitas na tese de doutorado.

- Seminário com Pierre Levy em Bolonha, Itália. Além de participar de uma conferência aberta com Pierre Levy, sobre a “Democracia na era da internet”, no segundo dia, ele realizou um seminário de portas fechadas para os doutorandos e pós-doutorandos, sobre o tema “How to make meaning computable?”. Levy, na minha percepção, é um dos melhores filósofos da era digital, além de ser um dos pioneiros nas reflexões sobre o surgimento de uma nova cultura, um novo ser humano, que emerge do fluxo interativo, descentralizado e anárquico do ciberespaço. 

- TEDxRoma conferência. Um evento com grandes speakers internacionais, focado no tema da neutralidade da rede. O verdadeiro “empoderamento” só vai acontecer quando o princípio da neutralidade vencer o conflito de interesses das grandes corporações midiáticas. Uma esperança seria a filosofia linguística do “Esperanto”.

- Internet Freedom Festival – Participei deste mega evento internacional com mais de mil pessoas, vindas de mais de 100 países, no período de 05 a 09 de março em Valência, Espanha. Os participantes são pesquisadores do mundo digital, jornalistas, ativistas, tecnologistas, defensores dos direitos humanos na internet, a maioria hackers, quebradores de paradigmas, que trabalham arduamente pela liberdade, descentralização e democratização da internet. 

- Digital Social Innovation – Neste congresso de dois dias em Roma, chamado de “Feira de Inovação Social Digital”, entre vários conferencistas, meu foco foi o de conhecer e ouvir o italiano filósofo da informação digital, Luciano Floridi. Aqui, faço memória de duas pílulas que guardei no meu diário. Uma, partindo de Shakespeare, disse: “se você puder olhar para as sementes do tempo, e falar que grãos irão crescer e quais não irão (ou não deveriam crescer), compartilhe, então, comigo”. Ou seja, ninguém sabe o que poderá acontecer nas próximas gerações, o futuro das inovações tecnológicas dependerá do destino que cada pessoa e governo farão com ele. “O real desafio não é a inovação tecnológica, mas a governança do digital” (Floridi, 2018). Outra pílula na sua fala foram as duas faces das inovações tecnológicas na sociedade. De um lado, fomenta uma cidadania participativa, empodera o indivíduo, amplia as nossas percepções da realidade, alarga as relações humanas, a vigilância, etc. Do outro lado, aumenta os riscos da alienação (distração), da manipulação, do isolamento, do tecno-utopismo, entre outros. Para evitar cair no abismo presente da realidade tecno-humana, aconselha Floridi, devemos: pensar mais profundo (think deeper); projetar melhor (design better) e estar sempre atento (be mindful).

3. Autocomunicação de massa – o motor da revolução digital

Tema central da minha pesquisa no doutorado. Foi nesta praça que gastei a maior parte do meu tempo ao longo deste ano.

Tem poder quem tem um canal de comunicação de massa, pregavam assim os “iluministas” do século XX, num período em que esse poder estava de fato restrito a uma pequena casta de afortunados. Hoje, com a internet, esse poder ainda existe, talvez mais forte ainda, porém parte dele foi picado em milhões de pedaços. Potencialmente, toda pessoa com um perfil no Twitter, blog, YouTube, entre outros, tem um canal de comunicação de massa, tem o poder de fazer chegar a sua voz no mundo todo, como também, tem a autonomia de aprender qualquer coisa, de conhecer qualquer língua, país, cultura, sem sair da sua casa.

Pois bem, atento a tudo isso, dei uma parada na vida ativa de padre para estudar, pesquisar. O meu foco não está na tecnologia em si, mas, no universo comunicativo humano, através das novas tecnologias. Visualizo a verdadeira concretização da “noosfera” de Teilhard de Chardin com a prática da autocomunicação digital emergente. A comunicação pelo WhatsApp e outras mídias digitais é uma realidade onipresente, é como o ar que respiramos, está em todo lugar. Você que está lendo este texto, o vizinho do lado, do sítio e da cidade, a maioria da população mundial já tem um “canal” de comunicação na mão. E se expande sempre mais veloz. Apenas para perceber a velocidade, o telefone convencional demorou 75 anos para chegar a 100 milhões de usuários. WhatsApp, por exemplo, demorou menos de 8 anos para chegar a um bilhão de usuários.

Concretamente, o que muda na ecologia midiática e sociocultural? Que impacto tem a autonomia comunicativa pessoal de massa nas instituições de poder – Família, Estado, Educação, Religião? A história nos oferece pontos de referimentos para perceber as transformações que em breve acontecerão no universo mental, cultural e organizacional das próximas gerações. Se a revolução digital em curso é igual ou maior que as outras revoluções de mídias disruptivas na história, perguntemo-nos: que transformações culturais e institucionais aconteceram com a chegada da escrita, do alfabeto e do papel impresso de Gutemberg no século XV?

Comparando com as do passado, estamos ainda nos primeiros minutos da revolução midiática em curso. Mesmo assim, é visível a grande mudança entre o cérebro e o modo de vida de quem viveu nos anos 70 do século passado e o de quem nasceu e vive nos dias atuais. São dois mundos completamente estranhos. Até poucos anos atrás, um candidato a presidente de um país, bem ou mal intencionado, chegaria ao poder, sem fazer propaganda política nos grandes meios de comunicação de massa? Um pobre adolescente de um sítio no sertão nordestino, longe de tudo, poderia ter um canal de mídia (blog, Twitter) e fazer ecoar a sua voz para centenas e milhares de pessoas? Um estudante na Europa poderia se comunicar em tempo real e compartilhar suas inquietações com seus amigos espalhados nos quatro cantos do mundo? Poderia acessar às maiores enciclopédias do mundo, a centenas de professores, escritores, universidades, a milhões de músicas, vídeos, jogos, sem precisar sair do seu quarto?

Naturalmente, as preocupações éticas sempre acompanham a chegada de mudanças disruptivas na história. As novas tecnologias ampliam, expandem as habilidades humanas, mas também podem “amputar”, podem causar graves danos. Exemplo, o carro deu uma aliviada aos cavalos e também aos nossos pés, mas, também, por imprudência humana, o carro mata mais de um milhão de pessoas todos os anos no mundo. Assim como o carro, acontece também com qualquer outro meio, por exemplo, a expansão do Fake News. Antes era menos porque não tínhamos o poder de mídia como hoje. Portanto, mais uma vez, o problema não é o meio tecnológico, mas as nossas intenções comunicativas por meio dos canais digitais. Enfim, quem ganha com a chegada de novas mídias, de novas órteses (extensões da nossa mente e corpo) são os anjos e demônios que habitam dentro de cada um de nós.

4. Pesquisa de campo

Se a autocomunicação nas mídias digitais é a plataforma da emancipação da cultura da autonomia dos jovens (Castells, 2013, p. 16), ou, como ele afirmou em uma entrevista, “o poder da juventude é a autocomunicação”, após fazer um longo estudo bibliográfico sobre a mudança paradigmática da comunicação de massa para a autocomunicação, decidi descer para o campo e verificar, especificamente, a influência/impacto dessa autonomia comunicativa digital na vida acadêmica dos jovens, estudantes da área de comunicação em três ambientes acadêmicos - FAFIC (Cajazeiras), UERN (Mossoró) e UFRN (Natal). 

Foi lá, no campo, tocando o objeto de estudo com a mão, que descobri o prazer da pesquisa. Foi lá que descobri o que caracteriza a chegada de um novo paradigma comunicativo no processo de aprendizagem de um estudante. Há tempo, subjetivamente, já tinha percebido a influência do novo ecossistema comunicativo no meu universo cultural, acadêmico. O confronto com os outros, através de uma pesquisa sistemática, amadureceu mais ainda as minhas percepções sobre um mundo que está morrendo e um outro que está nascendo. É irreversível a necessidade de desconstruir as tradicionais estruturas educativas, em vista de corresponder com os novos espaços sociais, culturais, educacionais, que emergem do universo digital habitado por uma geração jovem, que traz dentro de si, novas filosofias de vida, novos conceitos e novas práticas de estudar, trabalhar, de fazer quase tudo. 

Sou muito grato às três instituições acadêmicas que abriram as portas para que eu pudesse conversar, pessoalmente, com os estudantes sobre o meu o objeto de pesquisa. Na faculdade de Marketing, a caríssima professora Charlene, coordenadora do curso; Na UERN, professor Ricardo Silveira, diretor do DECOM e na UFRN, professor Juciano Lacerda, orientador da minha tese de doutorado. 

5. Quinze anos de padre com a família

No dia 22 de novembro, tive a felicidade de render graças a Deus pelos meus 15 anos de padre. Tudo é graça divina, mas entre tantas, o “ser” padre é aquela que mais me faz feliz, que mais me realiza como pessoa. Reconheço que cada um vem para este mundo com uma missão e cada um também é responsável para dar o sentido, a importância e a finalidade para a missão que escolheu na vida. A missão de padre é a de refletir Jesus Cristo e o seu Projeto de amor, de justiça e de paz na vida do Povo de Deus. Por essa razão, rendi gratidão a Deus pelos 15 anos de sacerdócio, ao lado dos meus pais, irmãos, vizinhos e amigos, na capelinha de São Bartolomeu, município do Venha-Ver. 

Entro 2019 com saudade das belas experiências vividas ao longo de 2018, e, ao mesmo tempo, com a esperança de tempos melhores para todos nós. Quero, com fé e esperança, concluir em 2019 mais um ciclo de estudos e, em seguida, retomar a minha missão na diocese de Mossoró, colaborando com alegria naquilo que for do meu alcance. 

A cada um de vocês que caminhou comigo, que partilhou das minhas alegrias e angústias, que rezou, que colaborou direta ou indiretamente com a realização do bom êxito das minhas pesquisas e estudos, o meu muitíssimo obrigado. Que o Pai Criador derrame graças abundantes na vida de todos vocês. 

A todos nós, um abençoado e feliz 2019!!

Comentários

  1. Parabénsssssssssss, pelo belo trajeto de vida... Tenho muito orgulho de fazer parte de sua história. Es merecedor de todas as conquistas, homem de Deus.

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