Uma causa da polarização terrorista entre "coxinha e mortadela"

O vírus maniqueísta (dualista) instalado no nosso cérebro há milênios impede de vermos que, além de Bolsonaro e Haddad, há também Ciro, Boulos, Marina, e outros na corrida presidencial. Culpar a internet, o contexto sócio-político, culpar a ignorância cultural e educacional do cidadão, sem compreender o estrago do Cavalo de Tróia maniqueísta instalado na “placa mãe” do nosso DNA, jamais conseguiremos entender a raiz do ódio e da violência perpetrada nas narrativas dos eleitores extremistas dos dois presenciáveis que lideram nas pesquisas. É cômodo e o cérebro agradece o modo reducionista e quase automático de ler o mundo, porém, é de uma pobreza extrema querer restringir o ser humano com toda a sua complexidade usando apenas essa visão simplista do bem e mal, certo e errado, direita e esquerda.


Ainda não nos libertamos desse viés dualista de julgar o mundo porque todas as instituições - escola, igreja, família, política - continuam educando e doutrinando a sociedade com a mesma narrativa maniqueísta de outrora. Para as instituições de plantão, quem não adere ao pensamento simplista (positivo x negativo), é visto como um sujeito sem partido, sem posição ideológica, sem convicção. As pessoas que sofrem do pensamento simplista não conseguem se libertar da guerra entre “coxinha x mortadela”, petista x antipetista. Quem é do grupo “A” é do bem, quem pertence ao grupo “B” é do mal. Se temos consciência do nosso espirito de amor e ódio, de guerra e paz, de esquerda e direita, de certo e errado, entendemos o porquê da narrativa venenosa que paira sobre o céu digital e o céu do país nesses dias que precedem as eleições. 

Por estar estudando um novo capital semântico que emerge com a revolução digital em curso, tenho consciência de que essa narrativa dos candidatos está ficando obsoleta, falida, não me representa mais, como não representa um percentual grande de jovens, que faz parte de uma nova geração em gestação. Essa minha descrença não é fruto de abstrações, mas de teorias e reflexões que surgem com as novas ciências da sociedade-rede. 

Respeito quem continua acreditando nesse velho modelo de fazer política, que transforma o cenário político em uma arena de guerreiros do “nós” contra “eles”. A maioria ainda encontra sentido nesse tipo de política, assim, como muitos ainda se sentem representados pelos políticos que os elegem. A mim, eles não me representam. Não só eu, mas 2/3 da população mundial não se sente representado pelos políticos, asseguram as pesquisas coordenadas por Manuel Castells, um dos sociólogos mais respeitados do mundo.

A internet está pautando o destino das eleições e as mídias digitais são as principais responsáveis da polarização maniqueísta odiosa entre os dois candidatos que lideram as pesquisas. Essa forma guerreadora de fazer política tende a perder espaço com a queda dos muros entre sujo e limpo, perfeito e imperfeito, off-line e online, analógico e digital. O fim das fronteiras do dualismo ainda perdurará por algum tempo, talvez gerações. Isso está evidente na própria internet, ou seja, embora a ambiência digital seja a plataforma de um novo ser humano em gestação, o atual público que navega na internet é filho da cultura analógica ou, mesmo tendo nascido na era digital, continua sendo formado com os mesmos paradigmas maniqueístas da era pré-digital.

Com a consolidação da cultura digital em curso, a democracia representativa perderá validade, ficará obsoleta, como também será fragilizada a filosofia maniqueísta. A cultura da autonomia comunicativa será um dos principais demolidores dos muros que separam o corpo do espirito, o profano do sagrado, o mal do bem. Quando nos fechamos nessa bolha maniqueísta, limitamos nossa capacidade de tirar leite de pedra, de ver coisas boas nas imperfeições humanas, de caminhar sem preconceito ao lado do “todo” que caracteriza nossa humanidade, que vai muito mais além do pensamento simplista implantado no modo como lemos a realidade. 

Livrar-se da visão maniqueísta é dar um salto qualitativo na emancipação da nossa humanidade em todas as suas facetas. Enquanto isso não acontecer, continuaremos sendo vítimas de uma educação que não educa/forma para as gerações com um DNA digital, uberizado, líguido, radicalmente diferente do nosso DNA de plantão, filho da linguagem oral/escrita, que dominou a cultura do Homo Sapiens nos últimos 70 mil anos. 

Todavia, esse novo ser humano - menos vulnerável aos muros criados pela visão dualista - ainda está lentamente sendo transformado, vive os seus primeiros minutos de gestação, e, simultaneamente, está sendo gestada uma nova narrativa, um novo capital semântico e, consequentemente, uma nova plástica cerebral. Estamos no olho do furacão, na era da transição. 

Enfim, enquanto essa nova revolução social, política, cultural e sistêmica não se consolida nas instituições humanas; enquanto a nova civilização não caminhar com os seus próprios pés, permaneceremos no reino da mediocridade, da incerteza, da intolerância do “nós” contra “eles” instalados em todas as instituições do nosso tempo, também na política.
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