Autocomunicação Digital em 360 graus

Na escola, o professor conectado, o aluno também; na política, o gestor conectado, o cidadão também; na Igreja, o padre conectado, o fiel também; na fábrica, o patrão conectado, o empregado também; no hospital, o médico conectado, o paciente também; no carro ou no ônibus, o motorista conectado, o passageiro também; a patroa conectada, a empregada doméstica também; a elite do centro conectada, a periferia também; o gari, também; o carroceiro, também; a sobrinha de cinco aninhos, também; no topo do mundo, Trump conectado, o papa também.

A princípio ele pensou se se tratava apenas de uma viajada abstrata, coisa de quem fixa o olhar apenas em um fenômeno social e se esquece do mundo ao seu redor. Respirou fundo, voltou a olhar para um lado e para o outro, saiu por aí, voou para outros países e chegou a conclusão de que, certamente, nunca antes na história humana, as pessoas, sem tanta diferença de classe – pobre ou rica, pouco ou muito instruída, do campo ou da cidade – tiveram uma autonomia comunicativa assim tão grande como aquela que a maioria da população mundial possui em nossos dias.

Não demorei muito tempo para perceber, que, aquele curioso observador do mundo digital, era um pesquisador em gestação, alguém que já andava pelos sítios, praças, escolas, igrejas, mercados, se perguntando o “porquê” de tudo aquilo. Ele não queria apenas saber o “que” estava acontecendo. Modestamente, ela já tinha bastante conhecimento sobre as mídias digitais, por ter estado sempre inserido dentro delas desde o início do milênio, e por ter estudado na universidade o papel das mídias sociais na produção e consumo de informação.

Constatando de que o digital se tratava de um fenômeno macro-histórico disruptivo, que marca um antes e um depois na história das tecnologias da comunicação humana, da era analógica que durou 70 mil anos à era digital que apenas está começando, o passo seguinte e bastante desafiador foi escolher uma corrente de pensadores, que estivesse pesquisando as mudanças no reino da comunicação influenciadas pela revolução digital em curso. Depois de meses estudando vários autores no campo digital, sob a orientação dos seus professores, ele, finalmente, especificou um objeto de estudo – a “autocomunicação de massa” – de autoria do sociólogo Manuel Castells, considerado uma das mentes científicas mais lúcidas e respeitadas em nível mundial.

Foi amor à primeira vista porque o termo “autocomunicação de massa” traduz em um raio de 360 graus, todo espanto e curiosidade que ele vinha testemunhando e vivendo nos últimos anos. Como afirma Castells (2007, 2009, 2013), com a chegada do digital vivemos a maior transformação no reino da comunicação humana, garantindo a todos a emancipação da autonomia comunicativa em escala planetária, através da personalização dos canais comunicativos (Facebook, blog, Twitter, etc.).

O retrovisor ilumina o presente 

Pouco entendemos a autonomia comunicativa digital, sem recordar o passado, sem lembrar quais eram os meios que gente usava para se comunicar alguns anos atrás. 

Nas pequenas cidades, havia um telefone público, que atendia a demanda do povoado e sítios vizinhos. Ele descreveu aqui, por exemplo, o sofrimento de uma mãe para se comunicar com seus parentes ausentes, em um passado recente, quando havia apenas um telefone para milhares de pessoas. Anos depois, cada bairro tinha o seu orelhão, reduzindo drasticamente o tamanho da fila que antes se formava defronte ao único telefone do povoado. No mesmo período em que aumentava o número de orelhões, a tevê também se massificava, pouco a pouco deixava de ser privilégio da classe média, o povo a possuía como o bem mais precioso da casa, ocupando lugar central na sala, era ela que roubava a maior parte do nosso tempo ocioso. 

Nos últimos trinta anos testemunhamos uma grande guinada no campo da comunicação: do orelhão ao telefone fixo nas famílias mais abastardas; depois, o celular “tijolão” substitui o telefone com fio, e, agora, o smartphone pessoal. Cada membro da família, do mais novo ao bisavô, vive agarrado com um. 

Atualmente, há mais número de celular do que o número de pessoas no planeta, ou seja, o mundo todo tem uma tecnologia de comunicação, com um raio de alcance muito maior do que o rádio mais potente do século passado. Como introduzimos acima, a grande diferença está no acesso mais “igualitário” às mídias digitais. O mesmo canal de comunicação (Facebook) que o homem mais rico do mundo possui, a pessoa mais pobre da cidade ou do sítio também possui. A conta do Twitter que o homem mais poderoso do mundo usa é o mesmo que a pessoa mais pobre do norte da Índia possui. Potencialmente, onde chega a voz do mais sábio e mais rico, também chega a voz do mais ignorante e mais pobre. 

Exemplos de empoderamento comunicativo pessoal e coletivo temos à exaustão. De índios conectados, de periferias mobilizadas pelas mídias, de ONGs, de organizações sindicais e políticas, de grupos minoritários e religiosos, de cidadãos denunciando com o seu celular os problemas da sua rua e do seu bairro; celulares escondidos nas mãos de pessoas comuns, registrando práticas abusivas de policiais, políticos, padres e pastores, servidores públicos em geral, causando, muitas vezes a prisão de muitos deles e perdas de mandatos e privilégios. Em nível internacional, um selfie de uma jovem universitária no Egito publicada no seu Facebook, manifestando sua indignação com o sistema político, faz eclodir nas ruas e praças uma comoção nacional, tendo como desfecho a queda do presidente ditador do seu país. 

Diante de todas as evidências acima, ele é consciente de que estudar a autocomunicação de massa na cultura digital é tomar a pílula vermelha de Morpheus (filme Matrix), é entender as causas e as consequências da revolução digital em curso; é perceber o porquê das crises das instituições de massa, hierárquicas (educação, política, economia, igrejas); é perceber o “caos” da complexidade, da individualidade, a perda de credibilidade nas formas representativas políticas, religiosas e culturais, e, acima de tudo, é preparar-se para entrar como locomotiva, como um sujeito transformador dos novos paradigmas administrativos e comunicacionais que caracterizarão a nova humanidade em gestação. 

Enfim, por ser um fenômeno social comunicativo transversal, que chega afetando diretamente todas as instituições, ele, Talvacy, pensando na sua futura missão de professor universitário, escolheu verificar, exclusivamente, a influência da autonomia comunicativa digital no processo de aprendizagem dos alunos de três faculdades na área da comunicação. Com isso, além da compreensão teórica sobre a revolução comunicativa disruptiva em curso, ele extrairá no final da sua pesquisa empírica, os efeitos diretos do fenômeno estudado na vida acadêmica dos estudantes universitários.

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