Das antigas estradas de Roma às estradas digitais

Compreendermos as estradas, as rotas marítimas e os transportes em geral como comunicação, ou meios de comunicação, é fundamental para entendermos a rede elétrica como meio de informação e, atualmente, as redes digitais, como ambientes de comunicação, interação e conhecimento.

Seguindo esse raciocínio, percebemos que, antes da eletricidade, até o século XIX, a comunicação dependia, exclusivamente, de estradas, pontes, rotas marítimas, rios e canais. No entanto, o telégrafo acabou a festa: chegou para descolar a mensagem do mensageiro. Com esse sistema de comunicação, não havia mais a necessidade de ele pegar o cavalo e passar o dia, na estrada, a fim de levar a mensagem ao destinatário. E, se o receptor estivesse do outro lado do mar, o mensageiro já não precisava mais passar dias navegando, com o intuito de conduzir a informação ao seu destino específico. Agora, estando um, em uma ponta, e o outro, na outra, via telégrafo, ambos podem receber e enviar mensagens.

Com a velocidade da informação, graças às estradas, a cidade perdeu o controle - houve um processo de desintegração, o mundo cresceu, surgiu o espaço centro-margem. Diante dessas mudanças, verificamos, que, os que se beneficiaram de meios rápidos, ocuparam o centro; os que não tinham interesses ou oportunidades de entrar no novo ambiente comunicacional das estradas, ficaram à margem desse processo. Na História, percebemos que, quanto maior a invenção de meios rápidos, maior o surgimento de centros: “A velocidade elétrica cria centros por toda parte”, afirma McLuhan.

As inovações tecnológicas, que chegam aumentando a força e a velocidade dos meios, provocam mudanças nas organizações. Antes do alfabeto e do papiro, a aldeia e a cidade-estado eram suficientes para atender as necessidades humanas. Com o poder do alfabeto, os novos espaços urbanos transformaram-se em centros de poder político, religioso e militar. Segundo McLuhan, foram o alfabeto, o papiro, o mensageiro e os couros que aceleraram o movimento da informação, por meio de estradas, via terra ou água, introduzindo, com isso, "a formação do Império Romano e o desmantelamento das cidades-estado do mundo grego” (McLuhan, 1964, p. 109). 

Dessa maneira, constatamos que, nas estradas da Antiga Roma, a informação era o produto transportado mais precioso: “Quando faltaram os suprimentos de papel, as estradas ficaram vazias, como ocorreu nos tempos modernos com o racionamento da gasolina” (McLuhan, 1964, p. 110).

Estudando o poder transformador das pessoas informadas, graças aos novos meios de comunicação (estradas, papiro, alfabeto) que provocaram a passagem das tribos e cidades-estado aos sistemas de poderes, dentre eles, o Império Romano, perceberemos melhor as atuais mudanças cognitivas e estruturais causadas pelo numero crescente de pessoas conectadas, consumindo e produzindo informação, através das mídias sociais digitais.

É fato que nem todos têm acesso aos meios informacionais. Historicamente, nunca houve uma homogeneidade tecnológica. Ou seja, um percentual significativo de pessoas não acompanha a velocidade dos meios; outras não se interessam com o “novo”, sem esquecer aqueles que chegam bem depois, provocando, muitas vezes, conflitos e rupturas entre si.

Nessa perspectiva, ressalta McLuhan: 
“Pode-se prever facilmente que qualquer novo meio de informação altera qualquer estrutura. Se o novo meio é acessível a todos os pontos da estrutura ao mesmo tempo, há a possibilidade de ela mudar sem romper-se. Onde há grande discrepância nas velocidades do movimento — como entre as viagens aéreas e terrestres ou entre o telefone e a máquina de escrever, sérios conflitos podem ocorrer na organização“ (McLuhan, 1964, p. 111).
Hoje, podemos visualizar esses conflitos e rupturas, resumidamente, em três diferentes grupos de pessoas: 
- entre aqueles nativos digitais, que vivem e assimilam, de forma natural, a cultura da sociedade-rede, ou seja, o digital é parte integrante de suas vidas; 

- entre as pessoas que vivem oscilando entre os dois ambientes: ao mesmo tempo em que continuam pensando o ambiente analógico e, nele, vivem, também experimentam os ambientes digitais e, nestes, vivem, parcialmente;

- E, por último, a ruptura e o conflito frequentes entre as pessoas, ainda a maioria da população, que vive fora do ambiente digital: por opção, por não ser alfabetizada, ou por ser excluída. Esse último grupo, quando depende do digital para fazer algo (caixa eletrônico, enviar uma mensagem de texto ao celular, programar a tevê, etc.), pede ajuda ao neto, ou ao amigo mais próximo. 

A respeito desses conflitos existentes na sociedade, McLuhan reforça que "a aceleração e a ruptura são os principais fatores do impacto dos meios sobre as formas sociais existentes” (McLuhan, 1964, p. 114). Consequentemente, as invenções sempre encontraram resistência por parte de todos os que se sentiam em paz, com o tradicional modo de vida. A princípio, o novo sempre disturba e altera o convencional ambiente cultural, conforme destaca o já mencionado teórico:
“Mas foi em meio a essas irritações que o homem produziu suas maiores invenções. Essas invenções eram extensões de si mesmo, frutos de muita concentração e trabalho. Os conflitos na cidade surgem do desequilíbrio entre as funções e graus de conhecimento entre as pessoas” (McLuhan, 1964, p. 117).
Enfim, o desenvolvimento da cidade coincidiu com a expansão da escrita fonética e, consequentemente, com a criação das estradas, via terra e via mar. Essas novas tecnologias definiram, de forma linear, o universo sonoro do mundo tribal. Foi a escrita alfabética que organizou, linearmente, as ruas das cidades. Foi a escrita que “capacitou Roma a impor alguma ordem visual nas áreas tribais… As estradas e ruas romanas eram padronizadas e se repetiam uniformemente em toda parte” (McLuhan, 1964, p. 118).

Referência:
MCLUHAN Marshall, Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media), São Paulo, Cultrix, 1964.

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