A escrita: sem ela, a minha "carta" nunca teria chegado

Com a escrita,
o mundo é a nossa casa: não há
barreira física, ou
temporal para compartilharmos o amor e o
ódio, a paz e a guerra, a vida e a morte. Perto ou longe, ela nos dá a possibilidade e a liberdade de expressarmos o nosso sentimento por alguém.
Nesse sentido, a palavra
falada enjaula-me; a escrita liberta-me. A fala limita meu espaço
relacional e emocional; já, através da escrita, mesmo distante da minha tribo,
continuo me relacionando, trabalhando, estudando, sem romper os laços
familiares e afetivos.
Como as demais tecnologias, a palavra escrita
não caiu do céu. Na verdade, é fruto de um processo de maturação que perdurou
por diversas gerações - antes da invenção do alfabeto na Grécia, por volta do
ano VIII a.C, os egípcios e os sumérios já haviam criado, respectivamente, a
escrita hieróglifa e a cuneiforme, aproximadamente, 3.000 anos a.C.
Hipóteses
defendem que a escrita chega para responder a uma latência da sociedade: a
população crescia; as cidades, também. A agricultura e a economia
pediam meios mais eficazes para fecharem negócios
na relação de compra e venda dos serviços e produtos.
Já no âmbito das religiões, verificamos que, na
povoação da era dos primeiros sistemas
de escrituras (hieróglifo, cuneiforme), elas eram politeístas, com grandes
templos e complexos rituais sacrificais, presididos pelos hierarcas
sacerdotais.
Outrossim, na segunda era da escritura, com a
chegada do alfabeto, constatamos o surgimento das religiões monoteístas, como o
Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo e o Budismo. Naquele período, cada
religião professava suas doutrinas, adorava seus deuses, com nomes diferentes,
mas que revelavam a mesma divindade.
Observando-se o crescimento populacional da
época, verificamos que o objetivo da escrita consistiu não somente em responder
às fortes demandas da religião e da agricultura, mas também do poder militar.
Lendo a história, percebemos que, quanto maior for a complexidade demográfica,
maior será a necessidade de tecnologias para minimizar os problemas da
sociedade. Dessa premissa, muitos teóricos afirmam que o motor motivacional das
grandes invenções tecnológicas tem suas raízes nas crises humanas provocadas
pelos picos demográficos.
Assim, a massificação de uma nova mídia, na sociedade, segundo a Escola Canadense de Comunicação, altera o
universo cultural, modifica a rota convencional do homem. Sobre isso, Mcluhan afirma que a chegada
do alfabeto "significou o poder, a autoridade e o controle das
estruturas militares à distância. Juntamente com o papiro transportável, barato
e leve, o alfabeto produziu a transferência do poder da classe sacerdotal para
a classe militar ”(MCLUHAN, 1964, p. 102).
Culturalmente
falando, a
passagem da fala para a escrita, do mundo auditivo para o visual, ressalta
McLuhan, sacrificou mundos de significado e percepção, produziu uma
divisão “violenta e impiedosa, liberando o homem pré-letrado do
transe tribal, da ressonância da palavra mágica e da teia do parentesco” para
um novo ambiente humano, individualizado, com hábitos e atitudes isolados,
livre do espaço geográfico, reconstruindo, assim, um homem, cidadão do mundo, com liberdade de eternizar seus
feitos e toda a sua história.
Percebemos, também, que a chegada de uma nova
mídia não elimina a anterior, mas complementa-a. Dessa forma, o surgimento
da escrita não eliminou a palavra falada, assim como a advento dos algoritmos
digitais não eliminou o papel impresso. Da mesma forma, o aparecimento do
audiovisual (tevê) não eliminou o áudio (rádio).
O que observamos, com a expansão
das mídias disruptivas, é um forte impacto na estrutura mental, cultural e
relacional do ser humano. Ou seja, as revoluções na comunicação provocam
revoluções cognitivas e culturais. Por exemplo: o ser humano
pré-gutemberniano tem uma percepção da realidade, uma estrutura cognitiva bem
diferente da do ser humano nativo digital.
Diante do
exposto, se percebermos as mudanças culturais,
que emergem nessas etapas de inovações tecnológicas disruptivas, teremos dado
um passo gigantesco para
sermos os agentes pioneiros da nova cultura digital emergente.
Referência:
MCLUHAN Marshall, Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media), São Paulo, Cultrix, 1964.
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