Do grunhido à fala: o que muda?


Querer entender as crises, as mudanças, os conflitos bem como as revoluções cognitivas e sociais que a atual sociedade vive, sem fazer uma ligação com as principais rupturas tecnológicas e culturais, ocorridas ao longo da história humana é, praticamente, em vão. 

Antes de perceber o ambiente social ao nosso entorno, faz-se necessário olhar no retrovisor e perguntar: que mudanças aconteceram na política, na escola, na religião, na cultura, com a massificação da palavra falada, da escrita e do papel impresso?

Estudando o que significou cada uma dessas rupturas de mídia no cérebro humano, questiona-se: hoje, com a expansão da cultura digital na sociedade, que mudanças começam a ser visualizadas nas atuais organizações e, em particular, no cérebro humano?

Neste texto, começaremos percebendo o impacto da fala na vida humana. Nos próximos artigos - com a finalidade de analisar as revoluções provocadas pelos meios de comunicação disruptivos – conheceremos de perto as outras mídias, até chegar ao atual ambiente comunicacional em que vivemos.

A palavra falada – na ordem cronológica das revoluções cognitivas – foi a que mais impactou o universo simbólico e cultural da história humana. O que havia antes dela? Hipóteses estudadas revelam que foi precedida de gestos, grunhidos, gritos, danças. Dessa forma, a fala é um meio de comunicação construído, aperfeiçoado, processualmente, durante muitos séculos.

Ela, como toda e qualquer forma de comunicar-se, não consegue esgotar todos os sentidos, nem expressar tudo o que uma pessoa sente e pensa. Dessa forma, McLuhan afirma que “há mil maneiras de uma pessoa dizer “eu te amo” para alguém” (MCLUHAN, 1964, p. 97).

Assim, um claro sinal de que a palavra não expressa todo o nosso sentimento está nos gestos que fazemos enquanto conversamos com alguém. Por exemplo, se assistirmos, do vigésimo andar de um prédio, a duas pessoas - de preferência, italianos - conversando na esquina de uma rua, perceberemos que elas usam o máximo de gestos possíveis para complementarem e darem o máximo de significado à mensagem que desejam comunicar.

Mesmo diante dessas limitações, ao comparar compararmos a evolução da linguagem com as supostas formas de comunicação (grunhidos, gestos, etc.), percebemos que a fala, como extensão dos nossos sentidos, “sempre foi considerada a mais rica forma de arte humana, porque a distingue da criação animal”, conforme ressalta McLuhan. 

Percebemos, inclusive, que a fala se sobressai à forma de expressar-se dos animais, que se comunicam, mas não falam, não têm sensibilidade artística, espiritual, política, não tocam instrumento. Em síntese: conforme salienta Pierre Lévy, não tem um universo simbólico:
“A linguagem é para a inteligência o que a roda é para os pés, pois lhes permite deslocar-se de uma coisa a outra com desenvoltura e rapidez, envolvendo-se cada vez menos. A linguagem projeta e amplia o homem, mas também divide as suas faculdades. A consciência coletiva e o conhecimento intuitivo ficam diminuídos por esta extensão técnica da consciência que é a fala” (MCLUHAN, 1964, 98).
Dando continuidade às revoluções cognitivas, veremos, no próximo texto, o impacto da escrita no universo simbólico humano. Podemos antecipar, destacando que, se a fala não é capaz de externar todos os sentidos, os sentimentos, todas as emoções, etc., que uma pessoa deseja expressar para o seu destinatário, mais limitada e fragmentada é a escrita. Esta enjaula, constrói nossos pensamentos em pedaços - das letras às palavras e, destas, à construção de narrativas.

O grande desafio, portanto, é montar o quebra-cabeça, buscando dar o máximo de significado e coerência à mensagem que se deseja transmitir.

Referência:
MCLUHAN Marshall, Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media), São Paulo, Cultrix, 1964.

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