A interdependência tecnológica nos faz humanos?

Na contramão do senso comum e daquilo que aprendi nos ambientes acadêmicos, a afirmação acima tem uma lógica histórica, antropológica e existencial. Poderia usar outras lógicas, mas, para não falar “bonito” demais, cito apenas essas. 

Os formadores de opinião, as literaturas a que temos acesso, na sua quase totalidade, falam das tecnologias como algo independente da relação humana. Ou seja, o homem pode viver com ou sem tecnologia, como se esta fosse uma questão de escolha. E tem mais: Qualquer pessoa que faz uma afirmação semelhante à do título acima, os teóricos da comunicação taxam logo de "deterministas tecnológicos".

Mais grave ainda, na minha percepção, é saber o que entendemos por tecnologia. Ontem, no “Fantástico” (programa da Rede Globo), a jornalista, que fez a matéria sobre os apaixonados por Internet, revelou uma alta taxa de ignorância sobre o assunto. Além de demonizar as mídias sociais, também ressaltou, na sua fala, uma visão esquizofrênica e limitada sobre o que é viver na cultura digital. Assim como a jornalista, creio que essa carência de conhecimento - que causa uma leitura preconceituosa e caduca da relação homem-tecnologia - seja latente em quase todo mundo. 

Quem está me ajudando a tirar a pasta dos olhos e a enxergar de forma mais lógica e convincente a relação híbrida, de interdependência entre o homem e a tecnologia, é a Escola Canadense de Comunicação. Um dos alunos, talvez o mais brilhante, Marshall McLuhan, afirma que somos uma explosão de emoções, sentimentos e racionalidade que se aflora, de forma híbrida, dentro e fora de nós, graças às tecnologias inventadas, ao longo da história da humanidade. 

A adesão às tecnologias varia entre culturas. Há aquelas que as incorporam, naturalmente, aderem-nas porque chegam para resolver uma demanda, ou uma limitação humana. Por exemplo, a flecha foi inventada para expandir as mãos do homem. A escrita libertou o homem da prisão espaço-temporal. Antes dela, a fala não podia ser guardada, nem exportada. Apenas chegava aos ouvidos dos destinatários e ali morria, uma vez que ninguém havia inventado uma tecnologia que a pudesse arquivar. O único meio de armazenamento era a memória do homem. No entanto, quando morria uma pessoa, uma biblioteca era extinta com ela.

O Homem tribal, da era pré-escrita, tinha uma relação presencial de interdependência muito forte - tudo acontecia por meio da relação corporal. Os integrantes daquele período histórico viviam colados uns nos outros para se comunicarem, trabalhar trabalharem, etc. A necessidade de estarem juntos, compartilhando palavras, emoções e sentimentos, era bem maior do que a do homem letrado, fragmentado do ocidente. Sobre essa situação, assim complementa McLuhan: "A sina da implosão e da interdependência é mais terrível para o homem ocidental do que a sina da explosão e da independência para o homem tribal.” (p. 71)

A hibridização das tecnologias vem nos inserir na dança da inclusão e da interação, alarga nossas percepções da realidade, passamos a viver numa teia relacional, harmônica. Fechar-se numa única tecnologia, sem interligá-la com as demais, pode levar o homem a cair numa “bolha” viciosa, alienante, que se encarrega de entorpecê-lo afetando, diretamente, seus sentidos e toda a sua vida.

McLuhan usa como exemplo o efeito da tevê no universo do cinema As pessoas estavam alucinadas com o cinema, estavam submetidas a uma espécie de “entorpecimento”. Então, a tevê chega e liberta o homem da sala fechada do cinema, de maneira que cada um pode, da sua casa, desfrutar, sem tanto suspense, das emoções que viviam no sombrio escurinho do cinema.

Algo similar e bem mais forte acontece com a chegada da Internet: Saímos do mundo do sofá e mergulhamos no da rede. Antes da Internet, passávamos boa parte do tempo, sentados, diante da tevê, engolindo, silenciosamente, tudo aquilo que um grupinho de privilegiados transmitia, de cima pra baixo. Era uma espécie de “verdades” blindadas, sem que houvesse a liberdade para questioná-las. No entanto, com a Internet, há um alto raio de interação e uma interdependência entre os meios.

Tudo se converge. Assim como acontece a hibridização entre Internet x tevê, da mesma forma acontece, em maior ou menor raio, com todos os meios tecnológicos criados pelo ser humano. 

Para exemplificar, imagine o grau de hibridização ao seu redor. Se você estiver lendo este texto de um smartphone, perceberá que ele está interligado na Internet, e esta ligada na rede elétrica, que, por sua vez, transporta a energia, vinda de uma hidrelétrica, de uma rede eólica, ou outra tecnologia qualquer.

Se descêssemos às tecnologias mais convencionais: uma cadeira, uma casa, os muros, a rua, a própria cidade. Por exemplo, se você estiver sentado (a), a cadeira (tecnologia) está sobre o piso (tecnologia); este, que está sob as telhas (também tecnologias); a casa (tecnologia) é rodeada de calçada (tecnologia), esta, por sua vez, fica interligada à rua (tecnologia), que interliga a cidade (outra tecnologia). Enfim, as tecnologias entram, na vida humana, com o objetivo de atender às  demandas das pessoas, garantindo-lhes um bem-estar e mais humanização.

Diante do que foi exposto, surge a indagação: se a interdependência é forte assim, o homem seria humano, ou sobreviveria sem tecnologias?


Referência:
MCLUHAN Marshall, Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media), São Paulo, Cultrix, 1964.

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