Tecnológico assim, só sendo um ser humano mesmo


Narciso não se apaixonou nem pelo seu “eu maior”, nem pela sua personalidade, mas apenas pela beleza exterior do corpo dele. Por isso, morreu com o nariz colado no seu autorreflexo. É algo semelhante que acontece com o encanto das mídias digitais. Aliás, isso ocorre toda vez que o ser humano desbrava uma nova tecnologia. Fica tão fascinado, colado nela, que não consegue equilibrar-se ou integrá-la na sua vida, de forma harmônica, por um bocado de tempo. 


Para McLuhan, não interessa se o homem faz uso correto, ou não, das tecnologias. Por isso, ele usa a outra interpretação de Narciso, aquela em que ele se apaixona pela sua proibida Ninfa Eco: como Narciso tinha sido proibido por sua mãe de se olhar no espelho, certa vez, enquanto passava, ao lado de um lago, viu sua própria imagem na água e foi amor à primeira vista - logo começou a enamorar-se desse reflexo, com este dialogando, uma vez que pensou ter-se deparado com sua Ninfa Eco.

Quando McLuhan compara os apaixonados por tecnologias com os narcisos - palavra grega, que significa entorpecimento - é para evidenciar o fato “de que os homens logo se tornam fascinados por qualquer extensão (tecnologia) de si mesmos em qualquer material que não seja o deles próprios”. (p.59)

Pesquisas médicas realizadas por Hans Selye e Adolphe Jonas, afirma McLuhan, comprovaram o entorpecimento do homem pelas tecnologias, a partir do resultado revelador de que "todas as extensões de nós mesmos, na doença ou na saúde, não são senão tentativas de manter o equilíbrio" (p.60) 

O homem recorre às tecnologias toda vez que o seu corpo não dispõe dos recursos necessários para se manter vivo, para fazer algo, enfim, para sobreviver. Daí a dependência natural do homem: agarrar-se nas extensões de si mesmo, desde quando o ser humano virou gente. 

Ressalta Carlos Nepomuceno, discípulo de McLuhan, que o homem tornou-se humano, uma vez que se transformou em um ser tecnológico. Somos humanos, porque somos uma "tecnoespécie". 

É fato que, no início do uso de qualquer tecnologia, sempre vai haver a necessidade de o homem adaptar-se àquele novo pedaço de si mesmo. É assim quando usamos os óculos pela primeira vez, quando a mulher usa um sapato com salto alto, quando uma criança quer pedalar uma bicicleta... Qualquer extensão do nosso corpo "exige novas relações e equilíbrios entre os demais órgãos e extensões do corpo" (p.63). 

Depois que adotamos e adaptamos as tecnologias em nossa vida, elas praticamente desaparecem do nosso pensamento. A camisa, por exemplo, tornou-se uma tecnologia tão comum na nossa vida, que a vemos, raramente, como uma tecnologia, uma extensão da nossa pele. Ao incorporarmos as tecnologias, “nos relacionamos a elas como servomecanismos… Um índio é um servomecanismo de sua canoa, como o vaqueiro de seu cavalo e um executivo de seu relógio” (p.64)

Outra metáfora ousada de McLuhan consiste na afirmação de que o homem é o órgão sexual do mundo da máquina. A tecnologia é o grande amor do homem, chega para atender às suas vontades e aos seus desejos, diz o canadense. Isso faz sentido, ao observarmos o apego que temos pelo celular, pelos óculos, pela casa, ou por qualquer outro objeto que aflora o nosso sistema nervoso central. 

"Amo demais o meu computador." - disse certa vez um aluno africano que estudava na Europa. “Por que você o ama tanto assim?” – perguntou, curioso, Antonio Spadaro, professor da Universidade Gregoriana em Roma. "Porque, por meio dele, converso e vejo, semanalmente, os amores da minha vida, que vivem no meu país". Quem depende de um celular em rede para trabalhar e estudar e, acidentalmente, é obrigado a viver algum tempo sem ele, sabe muito bem o que significa a declaração de amor do africano pelo seu computador.

Referência:
MCLUHAN Marshall, Os meios de comunicação como extensões do homem (understanding media), São Paulo, Cultrix, 1964.

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