Na atual sociedade-rede, que Igreja serve

De um dado, muita gente já tem convicção: não nos serve mais a “Igreja perfeita” de outrora, blindada do mundo e acima dele, fechada em si mesma, sacramentalista, petrificada em suas normas, dogmas e doutrinas. 

A revolução digital, principal mentora da sociedade-rede emergente, está gestando um ser humano novo, radicalmente novo e, portanto, pede instituições novas, uma Igreja nova. 

Aquela Igreja com hierarquia sólida, de alto a baixo, com poderes sacralizados e inquestionáveis, cede espaço para uma “Igreja imperfeita”, evangélica, acidentada, humanizante, samaritana, interativa, despojada, não mais dona da salvação, menos autoritária, etc. 

Abaixo, descrevo parte da minha conversa no encerramento da assembleia pastoral da paróquia de São João, em Mossoró, domingo passado. Além da encíclica do papa Francisco, tomei como referência algumas reflexões da revista “Vida Pastoral” publicada bimestralmente pela Paulus.

Que Igreja queremos?

Partindo de um texto de Nicolau João Bakker, padre da congregação Verbo  Divino, assim resumo:

• uma Igreja menos autoritária e mais aberta para ouvir;
. uma Igreja não acima do mundo, mas encarnada nele, atenta aos sinais dos tempos;
• uma Igreja não prioritariamente hierárquica, mas ministerial;
• uma Igreja menos dogmática e mais dócil à voz do Espírito e do povo;
• uma Igreja mais ecumênica, salvação além-fronteiras;
• uma Igreja que abre as portas para a responsabilidade laical;
• uma Igreja toda ela servidora, nascida do batismo;
• uma Igreja sem estado de perfeição, mas com vocação à santidade;
• uma Igreja pobre e comprometida com os pobres;
• uma Igreja não fechada em sua Tradição, mas, como dizia Congar, sempre aberta a se refazer todos os dias.

Que paróquia queremos?

O que pensam os bispos quando pedem para transformar a paróquia em “comunidade de comunidades”? 
De qual comunidade estão falando? 
O que significa setorizar a paróquia? Seria pipocar o território paroquial com capelas, para simplesmente o padre sacramentalizar o povo, periodicamente? 
Podemos chamar de comunidade quando ela não tem leigos e leigas formados para animar a caminhada pastoral e social do povo de Deus? 

Sérgio Ricardo, assessor da CNBB, indica cinco C’s para poder identificar uma comunidade eclesial:

• Círculos bíblicos (viver da Palavra);
• Catequese (nas diferentes faixas etárias);
• Celebração (centrada na eucaristia);
• Conselho Pastoral Comunitário (união das diferentes coordenações);
• Compromisso social-transformador (assistência social e pastorais sociais)

Desse modo, à luz do Concílio Vaticano II, nenhuma capela (rural e urbana) que celebra apenas sacramento, pode ser chamada de comunidade eclesial. Nenhum movimento que se fecha em sua espiritualidade, por si só, é comunidade.

Setorizar a paróquia é portanto criar comunidades eclesiais que contemplem no mínimo os 5 C's, o que não elimina, diz padre João Bakker, a possibilidade de nelas haver diferentes “vivências” espirituais e comunitárias.

Isso acontece porque com a sociedade fluida, em rede, não há uma teologia, um único modelo eclesial, há muitas teologias e eclesiologias.

Por que o papa insiste tanto na formação de uma paróquia missionária?

Para chegar nas inspirações missionárias do papa Francisco, parto dos “porquês” de padre Luis Mosconi sobre a natureza missionária da pessoa cristã.
Por que uma paróquia (comunidade de comunidades) missionária?
· Porque a vida é missão;
· Porque ninguém vive sem missão;
· Porque ninguém é perfeito, somos seres em construção;
· Porque a vida pede sentido;
· Porque o mundo não está como queremos, há divisões sociais, violência, há corrupção...
· Porque habita em nós a força do amor;
· Porque ninguém vive sem amor e onde tem amor, tem missão;
· Porque a missão é um caso de amor com Deus e a humanidade;

Esses “porquês” e muitos outros abrem as portas para nos inserir na eclesiologia missionária do papa Francisco. Para ser objetivo, concluo com as palavras simples e diretas do papa Francisco sobre o seu sonho de ver uma Igreja missionária, acidentada, em constante saída.

- “Não podemos ficar tranquilos, em espera passiva, em nossos templos. É necessário passar de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (EG 15). 
- Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças (EG 49).

- “Que Deus nos empurre a sair ao encontro de tanto irmãos e irmãs que estão na periferia, que têm sede de Deus. Que não nos deixe em casa, mas que nos empurre a sair de casa. E assim sejamos discípulos do Senhor” (JMJ 2013). 
- “Precisamos sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (EG 20).
- A Igreja “em saída” é uma comunidade de discípulos missionários que tomam iniciativa(EG24). É uma Igreja com ‘portas abertas’ (EG 46).

- Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! (EG 49)...
- Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro (EG 49).
- Não quero uma Igreja tranquila, quero uma Igreja missionária...
- Quero uma Igreja pobre e a serviço dos mais pobres.
- A missão é algo que não posso arrancar do meu ser, se não quero me destruir (EG 273).
- Eu sou uma missão nesta terra e para isso estou neste mundo (EG 273)

Enfim, somos marcados a fogo por essa missão de iluminar, abençoar, vivificar, levantar, curar, libertar (EG 273).

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