Reflexões e propostas da 5ª Semana Social Brasileira em Mossoró

“Havendo um jardineiro, mais cedo ou mais tarde um jardim aparecerá”. Desta vez, o jardineiro chega à diocese de Mossoró, realizando sexta e sábado, 12 e 13 de abril, a 5ª Semana Social Brasileira. 


Foi com a metáfora do Jardim de Rubens Alves que um dos assessores, César Sanson, comparou o bem que as Semanas Sociais Brasileiras (jardineiro) fazem para a Igreja e para a sociedade. 



Participaram do evento membros das pastorais e movimentos sociais, dos conselhos municipais, sindicatos, representantes do poder legislativo e de diversos outros segmentos sociais. 


A realização da 5ªSSB em Mossoró foi a coroação de estudos e celebrações feitas por membros da Cáritas e representantes de movimentos sociais nos últimos meses sobre o tema: “O Estado que temos e o Estado que queremos”. 

O evento foi dividido em três partes: 

Na primeira parte, o professor da UERN, João Paulo Medeiros, fez uma análise de conjuntura sócio-política de Mossoró e região. Ele introduziu sua fala destacando o pioneirismo do Estado do Rio Grande do Norte no protagonismo de grandes projetos sociais e eclesiais, frutos da participação popular. Lembrou que no RN aconteceu:
  • a primeira experiência de Comunidades Eclesiais de Base; 
  • foi no RN que houve a primeira experiência do MEB, Movimento de Educação de Base; 
  • foi também no RN que Paulo Freire introduziu o modelo revolucionário de Educação Popular. 
Estas e muitas outras organizações populares sobrevivem até hoje, diz o
assessor, em meio a uma rígida estrutura estatal, cuja origem remete ao modelo de Estado edificado pela burguesia, no século XVI. Um Estado, ainda segundo o assessor, que, desde o princípio, não foi pensado para cuidar da vontade geral da nação, mas, de uma classe privilegiada e elitizada. 

O Rio Grande do Norte, segundo o assessor – por ser refém de três velhas oligarquias, Alves, Maia e Rosado, que se perpetuam no poder há mais de 60 anos – reforça a ideia de uma Estado a serviço dos interesses das oligarquias econômicas, e, ao mesmo tempo, surdo para ouvir e atender a demanda do povo potiguar. 

A segunda parte do evento deu-se com a fala de Cesar Sanson, professor e pesquisador da UFRN. Partindo de uma análise transnacional, o professor adentrou no tema próprio da 5SSB: “Estado para quê e para quem”. 

A assessor introduz dizendo que a construção popular e democrática do Estado que queremos vem ressignificar o Estado que temos, que é “ineficiente, inoperante, ineficaz e lento, quando se trata de resolver as questões sociais urgentes”. 

Temos que continuar lutando contra esse Estado que prioriza o grande capital, o agronegócio. Segundo o assessor, os avanços que o Estado fez nas últimas décadas são frutos das lutas sociais: mobilizações populares, sindicatos, pastorais. “Essa luta titânica, árdua, difícil contra esse modelo de Estado vigente é fundamental, mesmo quando feito na perspectiva da resistência”. 

Propagam por aí que o Brasil é a nação do século XXI, lembrou o professor. Todavia, este país “desenvolvido” tem uma cara dual: de um lado ele é a 8ª economia do mundo (PIB), e do outro, ocupa a 84ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 

Observando essa disparidade, o assessor frisou que poderíamos ser chamados de país desenvolvido se tivéssemos saúde, segurança e educação pública de qualidade; água potável pra todos, transporte público que funcione, saneamento, moradia, etc. 

Por que somos uma nação dual, dividida? Indagou César Sanson. Porque somos um Estado patrimonialista, autoritário e conservador, respondeu o mesmo. 

- Patrimonialismo, explicou, "é usar os bens públicos para interesses próprios". Essa cultura de apossar-se dos bens públicos está impregnada no gestor público desde quando os portugueses chegaram ao Brasil. 

- O Estado autoritário é visível na arrogância dos políticos e na burocratização da máquina estatal. Por que o orçamento participativo não pegou? Perguntou o assessor. Porque é autoritário e burocrático. O povo logo se frustra quando percebe muitas discussões e nada de execução das políticas levantadas. 

Nas pequenas cidades percebe-se com mais evidência a cultura autoritária dos gestores públicos, quando, por exemplo, certos prefeitos coíbem a liberdade de expressão dos funcionários, ameaçam e/ou expulsam os que denunciam as irregularidades administrativas.
- Ao descrever o Estado conservador, o assessor fez um passeio histórico no Estado brasileiro do século XX até chegar aos nossos dias. Esse Estado conservador, mordenizador foi afrontado com resistência e ousadia pelos movimentos estudantis, operário, sociais que emergem na década de sessenta. 

E aqui, o assessor injeta esperança nos participantes, quando enfatiza as lutas e vitórias da organização popular nas últimas décadas. “Muita gente acha que o povo brasileiro é muito acomodado. Não é verdade”, continuou o assessor, referindo-se, especialmente, à participação popular na resistência ao Regime Militar. “O golpe militar foi um golpe contra as forças sociais, contra os movimentos sociais. Usaram um discurso da entrada do comunismo aqui. Mas, nada disso. O golpe foi um choque entre as forças populares e a elite brasileira”. 

Após traçar o perfil do Estado do século XX, o assessor concluí sua fala apresentando as três vertentes que caracterizam o Estado na era Lula e Dilma: 
  • Estado investidor: investe em grandes obras, e a pergunta que fazemos é, questiona o assessor: grandes obras, para quê e para quem? Grandes hidrelétricas, para quê e para quem? César responde afirmando que os principais beneficiadores são o grande capital, seja o nacional como o transnacional. 
  • Estado financiador: partindo do pressuposto que, para concorrer com o mundo, tem que investir nas corporações (Brasil Foods, JBS, redes de telefonias e outras), o Estado, através do BNDS, abastece voluntariamente o capital privado. 
  • Estado Social: corresponde aos programas sociais, aos créditos, ao Bolsa Família, etc. E aqui, diz o assessor, está uma das nossas maiores críticas a esse Estado: passar de uma política compensatória para uma emancipatória. Além do mais, o professor revela a disparidade que há nos investimentos entre as políticas sociais e o investimento no grande capital. Somente pra se ter uma ideia, em 2011, o Estado gastou, segundo o Banco Central, 236 bilhões de reais com juros e amortização da dívida pública. Se fizermos uma comparação com o Estado para todos os brasileiros, veremos que o maior programa social do governo, o bolsa família, gastou no mesmo ano 16,7 bilhões de reais, ou seja, apenas 7% do total que foi destinado à dívida. 
A terceira e última parte da 5ª Semana Social em Mossoró deu-se com a construção de quatro oficinas temáticas: educação, saúde, segurança e meio ambiente.

A leitura oficial das reflexões críticas e propositivas levantadas por cada oficina será feita na celebração do Dia do Trabalhador, 1º de Maio, em Mossoró. 

De antemão, podemos destacar duas propostas, entre outras suscitadas pelos participantes na 5ªSSB na Diocese de Mossoró: a criação do Fórum Permanente de Políticas Públicas em Mossoró e a formação da Escola Fé e Política na diocese de Mossoró.

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