A esperança cristã é individualista? Novena de Santa Luzia


Não. A esperança cristã é por natureza, comunitária, comunhão porque a fonte que alimenta a fé e a esperança do cristão é fundada no Deus Trindade, Deus comunhão.

Depois, porque foi em comunidade que os primeiros cristãos alimentaram e viveram a sua fé e a sua esperança. A própria palavra Igreja quer dizer relação, comunhão, rede de comunidades.  

Assim viveram os primeiros cristãos. Viviam como irmãos e irmãs, como família, rezando e partilhando os bens, segundo as necessidades de cada um (Atos dos Apóstolos). Eles tinham "uma só alma, um só coração e um só sentimento" (Filipenses 2,2).

No Antigo Testamento, a esperança tem a ver com a “promessa”. A promessa que já começa no aqui e agora, na adesão pessoal ao Deus da Promessa. O povo do Egito vivia na escravidão porque não tinha esperança no Deus da terra prometida. Um povo sem esperança é um povo sem Deus. O povo no Egito tinha muitos deuses, adoravam aos seus deuses, mais de nada adiantava porque deles não nasciam nenhum sinal de esperança. Somente, a partir do Deus dos nossos pais, de Abraão, Isaac e Jacó, é que o povo passa a ter a verdadeira esperança.
Portanto, as sementes da esperança cristã brotam de uma relação pessoal e comunitária com Deus, vivida com fé, no dia-a-dia da nossa vida.

Creio que todos são de acordo que a esperança e a fé são inseparáveis. Ou melhor, as virtudes teologais são como a pedra de anil dissolvida na água. Misturam-se.

A esperança é a estrada por onde passa a nossa fé. Assim foi vivida a fé e a esperança dos primeiros cristãos.

A esperança cristã hoje

E hoje, como se encontra a fé e a esperança cristã? Ou melhor, podemos acreditar na esperança dos cristãos do século XXI? Hoje, o que diferencia a fé cristã da fé não cristã?

Um dos pilares da esperança cristã é a indignação. Toda a vida pública de Jesus foi marcada pela indignação ao sistema religioso e político do seu tempo. Isso é evidente nos evangelhos.

Santo Agostinho lá nos primeiros séculos disse: "A esperança tem duas lindas filhas: a indignação e a coragem. A indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão e a coragem nos ensina a mudar as coisas"

Por isso, a pessoa que se alimenta da esperança cristã sempre manifestará indignação a toda e qualquer estrutura maléfica, desumana, estrutura injusta.
O cristão verdadeiro nunca é conivente e jamais se alia às estruturas sociais injustas que agridem e violam os direitos humanos.

É aqui onde a sociedade secularizada questiona a fé e a esperança dos cristãos nos dias de hoje.

Como se justifica, dizem, sermos o maior país católico do mundo e, no entanto, o Brasil continua sendo um dos países com maior desigualdade social do mundo. O nosso continente, da mesma forma, é o maior continente católico do mundo, no entanto, é campeão mundial em desigualdade social, ou seja, uma minoria esbanjando riqueza e luxo, enquanto a maioria vive mendigando acesso aos direitos básicos.

Os primeiros cristãos, como vimos acima, viveram sua fé e esperança em comunidade, como irmãos. "Tinham uma só alma, um só coração e um só sentimento". E nós, hoje. Será que vivemos, de fato, em comunidade, em comunhão? Questionam os não cristãos: como continuar tendo esperança num país predominantemente cristão se a impunidade, a corrupção, a banalização dos direitos humanos fazem parte do cardápio diário do brasileiro? Como acreditar na esperança cristã, dizem eles, quando os administradores públicos, todos eles cristãos, continuam lesando o cidadão, através de desvios públicos, de promessas demagógicas, beneficiando uma minoria e ludibriando com políticas paliativas  a maioria da população?

Penso que todos nós estamos acompanhando, por exemplo, a luta e a resistência de 800 famílias da chapada do Apodi. Um projeto de irrigação do governo federal que, para instalar 5 grandes empresas do agronegócio na chapada, terão que expulsar milhares de agricultores de suas terras. Como ainda ter esperança quando os nossos governantes investem no grande capital e ignoram os direitos básicos dos pequenos agricultores?

Aqui, em Mossoró, na cidade da fé, na cidade de Santa Luzia, o medo toma conta da gente. A violência rola solta, a criminalidade está em toda esquina, as drogas estão incitando o terror e a morte, diariamente. Sair de casa de dia faz medo. A noite, mais medo ainda. Todos nós sofremos com isso, mas quem mais sofre são as mães que têm filhos viciados nas drogas.

Em meio a essa atmosfera do medo e do descaso, a maior esperança dos pais que sofrem com seus filhos no mundo da criminalidade é ver em Mossoró políticas sociais que invistam e ofereçam ambientes favoráveis de lazer, de esporte,  educação de qualidade, cultura, ou seja, uma cidade onde os jovens encontrem mil razões pra não entrar no mundo dos vícios. Isso chama-se prevenção.

Não obstante tudo, a Esperança cristã vence

Queridos irmãos e irmãs, diante dessa realidade, marcada por tanta injustiça e sofrimento, a festa de Santa Luzia vem nos alimentar da Esperança com E maiúsculo. Ou seja, não obstante a tantos motivos de desesperanças, Santa Luzia vem nos abastecer da verdadeira Esperança que transforma e liberta a nossa vida. Como disse São Paulo na leitura de hoje: Maior que os sofrimentos do momento presente é a certeza da glória futura. 

Embora, ainda hoje, diz São Paulo, toda a criação continue gemendo e sofrendo dores de parto,  e acrescentamos, embora muitas mães sofram vendo seus filhos perdidos no mundo da violência e das drogas, nós ainda temos mil razões pra viver porque, quem tem Deus, tem esperança, porque, quem tem Deus, tem fé, e quem tem fé e esperança, há mil motivos pra continuar enxergando, no fundo do túnel,  a luz da vitória, a luz da libertação, a luz da salvação. E essa salvação já está presente no meio de nós, porque, como disse São Paulo, é por meio da esperança que fomos salvos. 

Essa esperança salvífica, queridos irmãos e irmãs, devotos de Santa Luzia, é fruto de um enamoramento com Cristo, é fruto de uma adesão pessoal e comunitária a Jesus Cristo. É uma experiência mística que nasce de dentro da gente, vivida em comunidade e que nos dá um ânimo danado pra viver. 

Enfim, como filho da roça, direi que a Esperança cristã é como a chuva para o agricultor, que, ao cair na terra seca, no mato seco, ressuscita tudo, enverdece tudo, trazendo para o agricultor, um futuro de alegria, um futuro bem melhor.

Que Santa Luzia continue alimentando e renovando sempre mais a nossa Fé e a nossa Esperança. Amém!

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