Morte, amor e saudade

Hoje, dia que recordamos os mortos, a nossa mente e espírito se enchem de dores, saudades, dúvidas. Embora, pela fé, eu acredite na ressurreição, o dia de finados parece uma noite sem lua, escuro, um dia de um verdadeiro bombardeio de questionamentos a respeito dos mistérios que que fazem parte da nossa vida.

O doutor em teologia pela Gregoriana de Roma, Frei Luis Carlos Susin, responde algumas perguntas que, talvez, sejam as mesmas que nos inquietam no dia-a-dia. Extraí algumas delas que ele respondeu à revista "Humanitas Unisinos".

O que é a morte do ponto de vista cristão e espírita?

Luiz Carlos Susin – A morte é, biologicamente, o término de uma vida, mas, humanamente, é um final dramático que clama interpretação: nela eu não perco o que eu tenho simplesmente, eu perco a mim mesmo, o meu ser vivo. As tradições religiosas provam a sua vitalidade justamente no sentido que encontram para a morte. A tradição cristã se fundamenta na Páscoa de Jesus e nos escritos do Novo Testamento bíblico. O espiritismo “moderno”, que se refere aos ensinamentos de Allan Kardec, tem também raízes cristãs, mas busca algumas explicações evolucionistas que estavam em ebulição naquele mesmo período e recupera um padrão gnóstico que é estranho à Bíblia: o ensinamento sobre as almas que migram de um corpo para outro, chamado em grego “metempsicose”. É a reencarnação.

Qual a diferença e o que há de aproximações entre reencarnação e
ressurreição? Por que elas são colocadas de formas tão opostas, como se uma anulasse a outra?

Luiz Carlos Susin – A palavra “ressurreição” é muito estreita; ela anuncia apenas um aspecto da Páscoa de Jesus e nossa. A palavra, em grego “anástasis”, tem também o sentido jurídico de fazer melhor justiça ao réu que era inocente e foi punido. Mas há outras, complementares, como “exaltação”, “glorificação”, “transfiguração”, “elevação”, “arrebatamento”. Em confronto com a reencarnação, a ressurreição aponta para uma ação divina, uma nova criação, uma graça que supera todo esforço e mérito humano, um ato de fidelidade do Criador em relação às suas criaturas mortais. E do ponto de vista humano, a ressurreição requer um ato de confiança e de entrega, portanto de “encomendação” a Deus como a de Jesus: “Pai, nas tuas mãos entrego a minha vida”. Já a reencarnação, segundo o espiritismo moderno, é um processo evolutivo que está inscrito na própria natureza humana e da vida em geral. Por isso é resultante do modo de vida, depende das ações humanas e não da ação divina. Deus, nesse caso, sanciona com o seu sistema lógico de funcionamento da natureza, o que cada ser humano vai constituindo em seu ser com seu modo de vida.

Qual é o sentido de rezar pelos mortos? Como explicar o fato de as pessoas levarem flores ao cemitério no dia de finados?

Luiz Carlos Susin – Flores e outros símbolos são sinais de nosso luto, de nossa saudade, que é a fidelidade de nosso amor na ausência da pessoa amada. Mesmo que tenha um aspecto doloroso, é uma dor que não queremos abandonar, justamente por este impulso de fidelidade a uma relação que a morte não separou. Nesse mesmo sentido está a nossa oração, que tem mão dupla: não só rezamos pelos mortos, mas esperamos e pedimos a intercessão deles por nós, porque a fidelidade amorosa é mais perfeita nos mortos do que nos vivos, segundo um célebre ensinamento de Santo Tomás: eles estão mais perto de Deus, tem uma visão e um relacionamento mais próximo do modo de ver e de se relacionar de Deus, e por isso se ocupam mais conosco do que com eles mesmos, enquanto nós precisamos nos ocupar com tantas coisas. Isso pode soar de forma um tanto fantástica, mas tem sua fundamentação num artigo central da fé, que está no Credo: a “Comunhão dos Santos”.

Quais são os maiores dilemas que uma pessoa enfrenta ao se deparar com uma situação de morte na família, por exemplo? Por que, de maneira geral, as pessoas não estão preparadas para lidar com este momento da vida?

Luiz Carlos Susin – Sinceramente nunca se está preparado suficientemente para o momento de morrer, nem em nosso caso pessoal e nem na morte das pessoas que amamos. A morte é uma perda, é tempo de luto, da obrigação de ter que curtir uma perda importante. Por isso é uma grande prova e uma decisão para a fé e para a esperança. Há quem tente se distrair, não pensar ou então se enrijecer numa lógica ou numa filosofia religiosa que camufla a morte. Jesus é nosso modelo, mas ele passou pela angústia e pela oração dolorosa, e aprendeu a colocar o seu destino nas mãos do Pai em momento de tal perda. Fez seus últimos gestos como distribuição de si mesmo, de seu amor transformado em herança. No meio do horror morreu com uma oração. Nós morremos com ele.

Comentários

  1. Muito esclarecedora esta entrevista com o Frei Luis. Seria muito bom que mais católicos procurassem se aprofundar sobre estas questões, pois muitos são aqueles que creem em reencarnação e frequantam centros espíritas e, ainda assim, se dizem católicos.
    É muita incoerência!

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