Terras sem promessas

O tema do texto abaixo é outro, mas, antes, gostaria de fazer um aceno à morte de Gaddafi anunciada há pouco.

Quem foi Muammar Muhammad Gaddafi? Um ditador, um personagem político do continente africano, um assassino; por muitos anos, inimigo do mundo ocidental. Cometeu crimes internacionais, abusou do poder, das mulheres. Sentiu-se dono da Líbia por mais de 42 anos.

Hoje, dia da sua morte, é justo fazer memória dos milhares de inocentes assassinados por ele. Não era justo o que ele fazia com os refugiados africanos e com o seu próprio povo, onde cometia torturas inimagináveis e a outros, assassinava de modo extrajudicial, sem o direito de defesa. Como também, não foi justo o que fizeram com ele, hoje, expondo-o ao ridículo, não dando a ele o direito de se justificar perante a lei.

Sou contra qualquer ato que fere a dignidade do ser humano. Sou contra a pena de morte. Não aplaudo a morte de ninguém.

Aplaudo e choro pelo povo da Líbia que agora se encontra diante de um futuro novo, de esperança, porém, tudo por recomeçar. Precisará de muito apoio. Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália que coordenaram a guerra civil na Líbia, matando milhares de inocentes e devastando o país, agora, têm o dever de serem os primeiros responsáveis pela reconstrução daquele país despedaçado. O mundo verá.

O livro

“Se for preciso morrer, morreremos. Assim eu pensava no deserto, assim pensava na travessia do mar mediterrâneo sobre uma barca, assim pensava cada vez que a noite chegava escura e aterrorizante na viagem para o inferno”. Descreve Ali, 17 anos de idade, na sua longa fuga da Somália, seu país de origem, junto ao seu irmão Mawlid de 15 anos. A história desses dois irmãos está no livro intitulado “terras sem promessas” junto a mais nove histórias de refugiados em Itália que vieram da Somália, Eritréia e Etiópia.

Lágrimas de raiva e de compaixão ao mesmo tempo. É impossível não se emocionar ao ler “terras sem promessas”. Raiva e indignação por ver em pleno século XXI o cinismo e a brutalidade de governos ditadores – embora se digam de regime democrático – que, movidos por interesses e instintos animalescos, usam as pessoas como escopo para promoverem seus impérios.

Compaixão em ver a dor de mães que assistem às mortes dos seus filhos; que, pra não morrerem em suas terras, lançam-se em estradas verso à Europa, na esperança de encontrar paz e uma vida digna.

Cada refugiado conta um drama diverso. Fugir da morte é um risco. Seja por causa da escuridão do futuro, como também pelos desafios ao longo da viagem. Muitos dos que partem à Europa nem sequer conseguem ver a terra esperada, morrem pelo caminho. O Moisés da Bíblia passou 40 anos pra chegar à terra prometida. Todo esse tempo não, mas, o sofrimento talvez seja maior para quem deseja chegar na terra dos sonhos.

A primeira cruz é atravessar o deserto do Saara. Muitos não resistem. A fome, o cansaço, bem como, as doenças causam a morte de muitos. O corpo fica lá mesmo, quiçá, coberto pelas areias secas do Saara.

A segunda estação é a Líbia. Lá são submetidos aos regimes mais desumanos do ditador Gaddafi. Chegando em Líbia, muitos dos refugiados são usados como escravos em trabalhos forçados, outros são colocados nos cárceres; outros vão trabalhar pra conseguir uma vaga nos barcos dos traficantes que pagar aos traficantes um lugar nos barcos que os portam à Itália.

A terceira estação é a travessia em barcos de pesca, sem nenhuma proteção. Previsão pra chegar do outro lado de mediterrâneo não tem, depende de como se comporta o mar, se tempestuoso ou tranquilo. Podem chegar após dois dias, como também podem demorar 4 dias ou uma semana. Muitos são mortos ao longo da travessia.

A via sacra não termina quando pisa na terra da esperança. Aquele imaginário criado pelos refugiados de que, na Europa viveriam na terra prometida, não é real. Deparam-se com um povo branco vazio de humanidade, de respeito pelo ser humano; sentem-se mais importantes, raça superior; olham para os africanos com desprezo ou, quem sabe, com uma pena forjada de hipocrisia.

“Por que veio pra Itália? O que faz aqui? Também na Itália existem traficantes de homens capazes de enricar-se desfrutando do nosso desespero”, disse um refugiado da Somália ao partilhar o modo como os italianos o tratam. Não é possível viver feliz em um país onde o refugiado/imigrante é visto como uma intruso ou como um que tira a paz e ameaça o bem-estar do país.

Os tratados da ONU, a Carta Magna dos direitos humanos, onde são garantidos os direitos de asilo às pessoas que vivem em países de conflitos, não são respeitados. A Itália lidera no desrespeito aos direitos básicos garantidos aos que pedem refúgio. O mais triste é saber que a Etiópia, Eritréia, Somália foram países colonizados pela Itália. E é sabido que o objetivo principal de qualquer colonizador é, em primeiro lugar, sugar a riqueza do país colonizado. Depois, passado algum tempo, quando os imigrantes e refugiados dos países explorados pedem socorros, a Itália vira às costas, responde com o racismo, ignorando-os de forma desumana.

O livro “terras sem promessas” nos faz reconhecer que, ainda hoje, as atrocidades, as guerras, a xenofobia, o racismo, enfim, o mínimo de humanismo no coração do povo branco, de olhos azuis, europeus, considerados “civilizados” é ainda longe de se tornar realidade. Não basta encantados livros de democracia, de liberdade, de direitos humanos se tudo isso não passa de meras fontes pra inspirar discursos demagógicos.

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